Por Octavio Caruso
Michael Keaton sempre foi um grande ator, algo que muitos passaram a perceber apenas com o sucesso de “Birdman”. Ele é popularmente reconhecido por filmes onde explorou extremos de interpretação, como o histriônico “Beetlejuice”, porém, com “Minha Vida”, que ainda considero seu melhor desempenho, ele teve a chance de utilizar os elementos de seu início como comediante stand-up, inserido em uma trama cruelmente realista, vivendo um workaholic que descobre, num curto espaço de tempo, que irá ser pai e que está morrendo de câncer nos rins. A abordagem do diretor/roteirista Bruce Joel Rubin, que escreveu “Ghost – Do Outro Lado da Vida”, encanta pela forma felliniana com que ele constrói o leitmotiv da necessidade de aprender a perdoar.
O protagonista é mostrado no início como uma criança altamente criativa, contagiando seus colegas de escola, que, aceitando um convite do menino, aparecem na frente da casa dele, esperando a apresentação de um grupo circense. A fantasia do garoto seria a materialização de um pedido feito a uma estrela, na noite anterior. Os pais dele, exatas réplicas do tipo de pessoa que ele viria a se tornar profissionalmente, recebem com frieza aquele evento, envergonhados pela atitude do filho, acabam optando pela punição, o castigo que irá bloquear o lúdico da criança.
Já adulto, ele adota uma postura cínica e debochada, projetando suas frustrações existenciais em uma ambição exagerada pela realização profissional. Ele nunca perdoou os pais, simplesmente se afastou, numa tentativa de reestruturar sua psique, com o auxílio da terna esposa, vivida pela bela Nicole Kidman. É interessante a forma como o roteiro evidencia a importância da jovem, quando, em uma reunião familiar, os pais dele demonstram mais alegria ao vê-la. Aquela que sempre foi o maior elo entre as famílias, que, por trás dos panos, sempre tentou resgatar a pureza do menino de outrora, mantendo os pais dele informados sobre tudo. A resistência doce, no difícil convívio com um homem que havia se tornado a antítese de tudo que desejava ser. O câncer acaba sendo o instrumento que ressuscita o caráter original, o adulto que o menino sonhava ser.
“Não ouse tirar minha esperança, ela é tudo o que eu tenho”.
O filme trabalha a lógica do desapego material, com o pai decidido a registrar em vídeo o máximo possível de informações, ensinamentos, para o filho que, pelas estatísticas médicas, ele não chegaria a conhecer. De coisas simples, como a maneira certa de se barbear e seguramente apertar a mão de desconhecidos, até relatos emocionantes das razões que fizeram ele se apaixonar pela mulher, uma linda corrida contra o tempo, visando o legado. E, quando paramos pra pensar, a única coisa que verdadeiramente importa na vida é o legado. O quarto que decoramos com tanto carinho, selecionando a cor da parede e dos móveis, esse receptáculo de emoções tão intensas e diversas, onde o amor é expresso em sua forma mais primitiva, irá, um dia, testemunhar a vida de outras pessoas, indiferentes à existência dos moradores anteriores. A morte não precisa ser o esgotamento do valor inspiracional de quem deixa de existir, o ser humano se perpetua em suas ações, que podem reverberar por séculos. O pai continuará presente, na tela da televisão, com sua aparência intacta, saudável, protegendo o amado filho de todos os obstáculos que irá enfrentar.
São várias as cenas bonitas que eu poderia ressaltar, porém, não quero estragar a experiência de quem ainda não conhece a obra. É manipulativa em excesso, mas, sem dúvida, eficiente. Tenho certeza que você não irá esquecer o momento em que o homem, já em estágio terminal, perdoa o pai, enquanto ele carinhosamente faz a barba do filho pela última vez, fechando o ciclo da vida.
OCTAVIO CARUSO
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.