Só em São Paulo, mais de um milhão de pessoas vive só. E nem sempre viver sozinho é sinônimo de solidão, como mostrou o Globo Repórter exibido em agosto deste ano. Na atração, o experiente repórter Edney Silvestre acompanhou a rotina de um prédio onde 80% dos moradores vivem sós, mas sempre contando com a ajuda e até serviços de um dos vizinhos para desbancar a solidão.
O programa bateu recorde de audiência e não foi à toa. Afinal, contrastar independência e solidão com a solidariedade de vizinhos e amigos é receita quase garantida para sucesso de público.
Contudo, é importante dizer que nem tudo são flores na vida de quem opta pela independência. Segundo matéria publicada no G1 , 34% dos brasileiros que moram sem companhia em casa estão endividados. Muito por decorrência da falta de planejamento de gastos, o que equivale a dar um passo maior do que as pernas.
Estamos falando de uma grande decisão. Envolve gastos, dificuldades de todos os tipos e muita força de vontade. É preciso estar pronto para encarar a roda dentada esmagadora do cotidiano e se manter firme, sem poder esperar por apoio imediato. Geralmente, se algo sai do controle, não dá para largar tudo e sair correndo. É um compromisso que exige perseverança e, muitas vezes, sangue frio.
Guilherme Lázaro Mendes, de 23 anos, morava com a mãe num apartamento em São Paulo. Há pouco tempo ele recebeu uma proposta para trabalhar como repórter em um importante jornal de Brasília e não pensou duas vezes antes de aceitar.
“Morar sozinho sempre foi a minha vontade – tem uns sete anos que eu planejava isso. Claro que morar só tem lá suas dificuldades e seus perrengues que não tem quem cuide, mas isso é algo que se deve ter em mente antes de sair de casa”, disse.
Um pouco mais experiente na arte de se virar longe dos olhos da família, a Analista de Pesquisa de Mercado Caroline Sporrer, 38 anos, está há mais tempo morando sozinha e lidando com os dilemas da vida de solitária convicta.
“Nada na minha vida foi planejado. Foi tudo sempre na cara e na coragem. Eu sentia que tinha que ir, que tinha que fazer. Ia lá e fazia. Às vezes você sente lá no fundo. Sente o movimento. Às vezes a vida te empurra e quando vê, já foi. Comigo sempre foi assim, meio orgânico.”
GASTOS
Planejar os gastos talvez seja a tarefa mais difícil para quem decide deixar o conforto do convívio familiar. Além das contas básicas, é comum ter que lidar com despesas que simplesmente parecem pular na sua frente. No caso de Guilherme, elas incluem gastos burocráticos e viagens de táxi e uber.
“Apesar de Brasília ser um bom lugar em termos de aluguel, por contar com muitos imóveis mobiliados, estamos falando aqui de cauções para aluguel, burocracias (como reconhecer firma e tal). Fora que qualquer corrida com táxi ou uber, quando você se planejou para andar de ônibus ou a pé, pode ser considerado um gasto fora da curva”, explicou.
Antes de voltar a morar só, Caroline dividiu apartamento com um namorado por 5 anos. Depois que a relação acabou, ficou com todas as dívidas que o casal tinha adquirido de maneira conjunta. Ela então achou melhor devolver o imóvel, que estava locado em seu nome, e foi morar com uma amiga por 6 meses para economizar.
“Eu sei o quanto eu posso gastar. Em relação à casa, os gastos são fixos e estão considerados no budget do mês. O problema são os gastos fora de casa”, confessou. Segundo ela, uma das desvantagens de morar sozinha é justamente ter que arcar com todos os gastos, os previstos e os imprevistos. “Se tiver qualquer problema no apartamento, não dá pra dividir a conta. Tudo você é que tem que resolver. Não tem ninguém pra ajudar.”
MESTRADO EM GAMBIARRAS
É provável que, por vezes, morar vai exigir de você habilidades dignas de verdadeiro jazzista, um mestre na arte do improviso. Só que, no lugar de instrumentos musicais, você normalmente estará munido de baldes, pregos, cordas e muita criatividade. É claro que nem sempre você irá conseguir alcançar o brilho de um Bud Powell ou demonstrar a força vibrante de um Ben Webster, mas se souber usar o que estiver ao seu redor, vai conseguir se virar.
“Ontem mesmo, por exemplo, depois de lavar o banheiro, senti um cheiro bem forte vindo de lá – e descobri que era o ralo, porque eu moro no segundo andar e há um retorno bem forte. Aí consegui contornar isso colocando panos úmidos sobre o ralo, e aí melhorou’, contou Guilherme. “Outro também foi o fato de eu morar numa quitinete sem local para lavar roupas. Por sorte, o senhorio deixou um desses baldes com tanquinho pra esfregar. E aí improvisei um varal – afinal de contas, ainda não recebi visitas.”
Mesmo com essas dificuldades, ele não pensa em desistir da tão aguardada independência imobiliária, pois esperava que fosse passar algumas situações cabeludas. Sabendo que não pode esperar ajuda imediata em uma cidade estranha, ele adota o velho lema “faça você” mesmo e tem dado certo até o momento.
“Eu encarei como um passo sem volta Foi um passo pensado para ser um só mesmo, sem volta.”
SOLIDÃO
Pergunto aos entrevistados o que acontece quando a solidão aperta. Se ela vez ou outra os incomoda.
“Não. Eu gosto de ficar sozinha. Necessito. Se não fico sozinha por um tempo eu fico doente. E quando dá vontade de ver gente é só ir pra rua”, responde Caroline. Para ela, a vantagem está justamente em poder se desligar do mundo.
“Você bate a porta e está no seu mundo, no seu canto. Ninguém pode te acessar, a não ser que você queira. Não tem que fazer sala pra ninguém. Não tem que conversar com ninguém se não quiser. Você pode fazer o que bem entender, sem não se sentir julgado ou observado”, detalhou. “Então, morar sozinha pra mim se traduz em uma certa liberdade. De não ter que ficar pensando no que pessoa vai pensar se eu isso, se eu aquilo. Entende? Resumindo você ganha em liberdade, intimidade, privacidade e tranquilidade. Você tem que lidar apenas com as suas neuras, suas manias.. não com as suas e as dos outros.”
Namorando há quase 1 ano, ela e o parceiro conversaram sobre a possibilidade de dividirem o mesmo teto. No entanto, afirma que ainda se sente hesitante entre a vontade de ter seu próprio espaço e morar novamente com outra pessoa. “Para abrir mão do meu espaço tem que ser algo muito especial. Eu amo ele, mas ainda não quero abrir mão desse momento eu comigo mesma. Só eu e eu. É bom demais!”.
Já o jornalista forasteiro recém-chegado à cidade dos planaltos, palácios e alvoradas, diz que já se sentiu incomodado, mas por ter se mudado há pouco tempo, não sabe se pode chamar realmente de solidão. “Não deu tempo de fazer tantos amigos”, justifica. “Ela pode ser um problema sim, e eu espero resolver isso antes que seja um problema e eu viva do trabalho pra casa e de casa para o trabalho.”
SEM PRESSA
Seja em busca de espaço, liberdade ou mesmo de aprovação, um grande número de pessoas se lança diariamente na mudança para morar sozinho – sem contar aqueles que o fazem porque se sentem pressionados a sair da casa dos pais para não serem taxados de “filhos cangurus”.
O conselho de Caroline e Guilherme para quem pensa em arranjar seu próprio ninho é: pense, planeje e… não tenham pressa.
“Só vá se você realmente tiver condições sem comprometer metade da sua renda. Porque não tem a menor graça morar sozinho e ficar passando perrengue. E escolha um lugar que seja perto dos locais que você curte frequentar ou de fácil acesso. Morar sem companhia num lugar isolado é horrível. Vi amigos que viveram isso e o sonho virou pesadelo”, adverte a moça.
“Eu diria para fazer sem pressões – não vale a pena se mudar por impulso, nem com remorsos de quem ficou em casa. E que é necessário entender que você vai precisar de ajuda para se organizar num primeiro momento. Acho que esse é um bom roteiro para conseguir ser feliz morando sozinho”, complementa Guilherme – que, espero, já tenha devolvido o balde ao senhorio.
Imagem de capa: Oleg Belov/shutterstock