Talvez alguns de vocês, em alguma altura de sua vida profissional ou mesmo pessoal, tenham se deparado com uma criança que não falava. Mas, ao contrário do que poderia parecer em um primeiro momento, esse silêncio não era decorrente da não capacidade ou mesmo da vontade de falar, e sim de uma incapacidade que a criança desenvolveu de se comunicar em ambientes onde não se sentia totalmente segura. E é aí que ouvimos que a criança “só não fala na escola”, mas fala em casa com os pais, por exemplo.
O primeiro impacto de qualquer pessoa que se vê frente a frente com um caso assim é de estranheza e tentativa de ajudar a criança a chamando, estimulando e fazendo inúmeras perguntas. A intenção certamente é boa, mas os resultados são ruins e é disso que vamos falar.
Para nos orientar sobre isso, conversando com a uruguaia Maria Virginia Almanza Salim, residente em Curitiba , mãe e voluntária reconhecida tanto na causa do mutismo seletivo quanto na propagação de informações sobre esse tipo de distúrbio.
Maria Virginia é mãe de Alan, hoje um adolescente de 13 anos mas que, desde os 5 anos, após mudança de país, convive com essa questão que tem bases ansiosas e pode piorar se a criança se sentir pressionada ou mesmo se for colocada como centro das atenções.
Abaixo, solicitamos que Virgínia nos ajudasse numa lista com dicas para pais e profissionais que convivem com esse problema e precisam de ajuda:
1- É preciso compreender que o silêncio não é causado por birra, malandragem, falta de inteligência ou mesmo falta de educação. Essa compreensão é necessária para não atribuirmos uma culpa que não pertence a pessoa acometida e, com isso, causemos um sofrimento ainda maior.
2- É preciso compreender que o mutismo é causado por uma grande ansiedade e não é o mesmo que timidez. Para facilitar a relação é importante que não sejam ditas frases que deixem a pessoa com um sentimento de inadequação e ainda mais ansiosa , tais como:
- Você não vai falar nada!
- O gato comeu sua língua?
- Você é sempre assim?
- Qual é o seu problema?
3- O compromisso da Escola não é somente com o ensino, mas principalmente com a aprendizagem. Os professores devem se informar sobre o que é o mutismo seletivo para poder entender melhor a criança e ajudá-la na sua aprendizagem, assim como elaborar e executar sua proposta pedagógica de maneira mais adaptada: trabalho em equipe entre escola, pais e psicólogo. Escola, professores, diretor e núcleo devem estar juntos para aprovar métodos alternativos e inclusivos de ensino, discutir a avaliação do aluno, e o progresso dele.
3- Fazer atividades de sala de aula que permitam que a criança participe de forma não verbal: a criança pode escrever para a professora pedindo para ir no banheiro ou escrever que não entendeu a lição.
4- Nenhuma motivação ou estimulação deve implicar em pressão, chantagem, exigência, discriminação ou algum outro modo não respeitoso ou insensível de fazer a pessoa falar.
Muitas vezes a criança escolhe um amigo para que seja porta voz dele na escola.
5- É necessário entender que as crianças e adultos com Mutismo Seletivo não escolhem ficar calados. Eles realmente não conseguem falar porque a tentativa de fala desperta muita ansiedade (e ansiedade gera sofrimento). O calar não é uma opção da pessoa, e sim um silêncio imposto pela ansiedade involuntária que experimenta.
6- O Mutismo seletivo costuma ser tratado com terapia cognitiva comportamental e, algumas vezes, a criança (ou mesmo adulto) precisa ser medicada com algum ansiolítico. Logo, é necessário aceitar ajuda de profissionais especializados que possam fazer um diagnóstico preciso e orientar sobre o melhor tratamento;
7- Se sabemos que essa criança fala em outros ambientes, é dando todas condições para que ela se sinta segura e aceita, mesmo que não fale, que ela poderá, aos poucos, ter a ansiedade diminuída. Muitas vezes, as crianças mutistas começam lentamente a sussurrar. Às vezes com uma voz quase audível à medida que se tornam mais confortáveis e menos ansiosas.
8- Quando ela finalmente falar, por favor não faça exclamação nem elogios. Permaneça o mais neutro possível para que ela não tenha a atenção direcionada demais para ela e volte a ficar ansiosa.
9- É preciso entender que o mutismo gera sofrimento e, antes de qualquer atitude, o conhecimento sobre o tema e a empatia com a situação da criança devem ser o norte para qualquer medida.
Para saber mais trouxemos o vídeo animado do educador e psicólogo, também referenciado quando falamos sobre o assunto, Marcos Meier.
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Para saber mais sobre a história do Alan e da Maria Virgínia assista a reportagem sobre o tema.
Imagem de capa meramente ilustrativa: Maria Sbytova/ shutterstock