Imagem de capa: Mamonov Stanislav/shutterstock
Quem nunca abriu mão da própria felicidade em prol de um amigo? Quem nunca engoliu a seco uma ofensa para não ofender? Quem nunca sorriu chorando por dentro? Somos assim: generosos com os outros e cruéis com o próprio coração.
Acreditamos ser mais fácil dizer “não” para os nossos sonhos, do que para os sonhos de um filho. É menos doloroso abrir mão de ser feliz, do que fazer o outro sofrer. É mais bonito trair a própria vontade, do que deixar o outro frustrado. Pelo menos, é isso que nos ensinaram até hoje: toda renúncia em nome do amor vale a pena. Mas, sabe, sinto informar que distorceram a frase em benefício próprio. As renúncias que funcionam no amor, são as recíprocas, não as de mão única.
Há uma música da Oswaldo Montenegro denominada de “A Lista” que descreve bem essa situação. Criada para uma peça de teatro com o mesmo nome, consegue emocionar de forma única quem a escuta. Com uma melodia calma e versos que levam à reflexão das ações do homem durante a vida, o poeta proporciona um momento de interiorização entre alma e ações do próprio ser humano: “Faça uma lista dos sonhos que tinha/ Quantos você desistiu de sonhar!/ (…)Onde você ainda se reconhece/ Na foto passada ou no espelho de agora?Hoje é do jeito que achou que seria/Quantos amigos você jogou fora? (…)Quantas mentiras você condenava? Quantas você teve que cometer? Quantos defeitos sanados com o tempo/Eram o melhor que havia em você?
Soluços e lágrimas a parte, voltemos da viagem interior e foquemos no que importa: o que nos leva a sempre priorizarmos o que não é importante? Por que a dor do outro é mais profunda que a nossa? Por que o boleto a pagar é mais urgente que o café com o amigo?
Priorizar-se não é ser egocêntrico, é apenas entender que a sua dor é tão importante quanto a do próximo. Que os seus sonhos são tão grandes quanto à de seus familiares e que a sua felicidade é tão necessária quanto a de seus amigos.
Colocar-se como prioridade na própria vida é entender o próprio valor e respeitar o caminho que o trouxe até aqui. É respeitar a própria opinião, como respeita a de quem discorda de você. É entender que é merecedor de uma amizade sem interesse, e não dessas que te enxergam como organização filantrópica.
É saber o valor que se tem, indiferente da opinião alheia. É se cuidar, ser capaz de perdoar os próprios erros com a mesma facilidade que perdoa a do companheiro. É ser capaz de ir ao cinema sozinho e sentir-se completo com a própria companhia.
É amar sem medo de perder. É entender que perfeição não é uma qualidade humana e que erros são cometidos com mais frequência que escovar os dentes. É ser capaz de dar foras sem se condenar. É rir quando tiver que rir e chorar quando tiver que chorar. Livre assim.
Colocar-se como prioridade é ser capaz de se amar antes de exigir isso dos outros. É respeitar o próprio tempo, os conhecimentos empíricos que adquiriu na vida, os princípios morais que te ensinaram quando criança, para que não aconteça de esquecer-se de si tentando agradar os outros.
Como dizia Clarice, in “Carta a Tânia” [irmã de Clarice] (1947), eu queria dizer é que a gente é muito preciosa, e que é somente até um certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias.(…) Ouça: respeite a você mais do que aos outros, respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver”.
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