Por Marcela Picanço

Passo a mão no meu cabelo tentando desembaraçar um nó que sempre insiste em se formar. Enquanto isso, como um saquinho com 10 mini pães de queijo e espero o ônibus do metrô chegar, pensando que não dá mais tempo de ser feliz. Passaram-se alguns anos, desde que eu me lembre de que fui feliz de verdade. Foi naquelas férias em que eu fiquei bronzeada, saí para dançar e não me importava se a minha calça 38 ia entrar ou não. Nunca liguei para isso de padrão de beleza, mas, de repente, vi-me querendo colocar silicone, por mais que meus peitos parecessem ideais. Não dá mais tempo de ser feliz. Nesse dia, eu acordei com a boca seca, tentando imaginar o que eu tinha comido no dia anterior. Mas eu já tinha que acordar mais uma vez, às 7h, tomar meu café de sempre e partir para fazer aquilo de que eu gostava, mas acabou perdendo a graça. As cores começaram a ficar acinzentadas. As pessoas bonitas eram raras. Raríssimas. Sinto saudade de conhecer alguém interessante. Juro que eu nem queria um amor de filme ou um amor simples, só para amar. Eu queria alguém que pudesse conversar comigo, para perceber o mundo do jeito que eu vejo. Mas está difícil encontrar gente assim nessa cidade. Fico me perguntando por onde as pessoas interessantes têm andado e cheguei à conclusão de que elas são pequenas máfias que não saem à noite. Elas fazem pequenas reuniões na casa dos amigos, namoram entre si e, para elas, é o suficiente. Não têm paciência para fila de balada e nem para gente querendo parecer algo que não é. Aliás, todo mundo é um pouco do que não é, o que acaba dando no mesmo. Eu escolhi ser assim, mas agora não quero mais ser. E não tenho a menor ideia de como montar um plano estratégico para mudar minha vida e virar uma daquelas pessoas inovadoras que criam projetos que estimulam a criatividade. Nunca fui uma pessoa muito criativa. Eu gosto de lidar com números e coisas exatas, para que eu saiba realmente chegar a uma conclusão. Eu gosto de chegar àquilo que é garantido. Por isso, talvez eu não tenha tido tanto sucesso na vida. A vida é sempre inexata.

Às vezes, eu acho que isso é só uma fase. Que vai chegar alguém que me faça levantar do sofá e desistir de assistir às cinco séries ao mesmo tempo. Ela vai dizer que isso tudo é uma bobagem e que eu deveria aproveitar mais a luz do dia. Mas a verdade é que eu ando com muita preguiça de todo mundo. E não é que eu esteja triste nem nada, mas me afundei tanto em mim e nas minhas ideias, que os outros parecem chatos demais. O único ser que me entende é minha gata, Pantera, que passa os dias comigo naquele apartamento vazio e com cheiro de vida que passou. Não dá mais tempo de ser feliz. Até dá, mas eu não quero. Sinto-me completamente confortável nessa minha zona de conforto, que me deixa pensar em paz. É tão bom ficar sozinha… Mas só quando você tem a opção de ficar sozinha e não porque está com preguiça de olhar o mundo por outra janela. Eu tenho perdido muito tempo tentando me entender. Talvez não seja uma perda de tempo, mas, quanto mais eu penso, mais eu me afasto das pessoas que só querem falar de coisas que eu falava há 10 anos. Quando fulaninho terminou com não sei quem, ou meu namorado não me entende, meu emprego não paga o suficiente. Histórias tão iguais e intermináveis, como se todo mundo gostasse de estar nesse ciclo sem fim de reclamações sobre a própria vida e, ainda assim, arranjando tempo de criticar a vida alheia. Eu queria que esses assuntos passassem. Eu queria conversar sobre alguma coisa que nunca foi dita. Por isso minha gata me entende. Ela nunca diz nada e a gente se comunica entre gestos e telepatia. Podia existir alguém que conversasse por telepatia. Daí não ia dar para esconder nada e a gente ia ter que falar umas verdades, trazendo à tona uns sentimentos malucos que a gente esconde. Essa seria uma boa pauta de conversa de bar.

O metrô chegou. Não dá mais tempo de ser feliz. Preciso continuar minha rotina preguiçosa, agitada e, ao mesmo tempo, lenta, procurando alguma inspiração em um mundo que é totalmente inspirador, mas onde tudo ao redor obriga a se sentir feliz e, ao mesmo tempo, convence de que não se é bom o suficiente. Tem que tentar mais, comprar mais, ser mais, mais você. Insistem em me enquadrar naquilo que eu não sou. Em horários e assuntos que eu não quero ter. Não dá mais tempo de ser feliz. Olho para o saquinho de pão de queijo. Percebo que eles acabaram e eu nem me lembro qual era o gosto que eles tinham.

Marcela Picanço

Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.

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