Infelizmente as coisas são muito mais complexas do que tentam fazer parecer aqueles que, da noite para o dia, começaram a se importar com a fome dos pobres e desassistidos. O uso do isolamento vertical (aquele em que somente grupos específicos ficam isolados e os demais seguem a vida normalmente) não tem sentido nenhum, haja vista partir do pressuposto de que os idosos e os doentes crônicos vivem isolados em bolhas – ao passo que, no mundo real, eles interagem diariamente com familiares, profissionais da área da saúde e cuidadores (que fariam o delivery do vírus até a casa de cada um dos ditos “integrantes do grupo de risco”).
Arriscar na referida estratégia ocasionaria o colapso do SUS (segundo a constituição federal de 1988 a saúde é direito do cidadão e dever do estado e, de acordo com a Lei Orgânica de Saúde, ela deve ser fornecida por meio de ações de promoção, proteção e recuperação), o que custaria muito mais aos cofres públicos do que custarão os danos trazidos pela quarentena – além do fato de que adiaria, entretanto, não evitaria o regresso da população à quarentena horizontal (desta vez por um tempo maior e a um custo mais elevado).
Mas outras doenças mataram muito mais e não houve tamanho alvoroço. Isso não é coisa para derrubar o governo Bolsonaro?
Pessoal, o grande problema da COVID-19 reside no fato de que o contágio ocorre de forma muito mais ampla e veloz do que nas demais doenças tipicamente citadas em debates. Ou seja, a taxa de pessoas que será acometida pela infecção tende a ser elevada, o que gera diversas consequências graves que acabam não sendo levadas em conta, entretanto, cabe dar ênfase a uma:
– Os leitos hospitalares, os insumos para a saúde, os hemoderivados e os profissionais da área da saúde não são recursos infinitos. Quando sobrecarregarmos o SUS com pacientes vitimados pelo coronavírus (mesmo que, como vocês amam dizer, somente uma “pequena parcela” dessas pessoas venha a falecer em decorrência da doença – como se vidas não tivessem importância) uma infinidade de pacientes deixará de receber assistência quando mais precisar (após um ataque cardíaco, um acidente de trânsito, um acidente vascular cerebral, dentre outros) e terão mortes ou danos permanentes que poderiam ser evitadas.
Não existe opção perfeita: os danos à economia são inevitáveis. Porém, não custa dizer que ser contrário ao isolamento horizontal (aquele em que a população toda se isola, salvo os profissionais dos serviços ditos essenciais) é optar por um posicionamento que encontra menos sustentação dentro de uma análise baseada em evidências.
Observação 1: aproveitando a onda de generosidade e boa vontade daqueles que pedem pelo regresso imediato à vida como era antes: há muitas famílias em situação de vulnerabilidade no país, ajudem essas pessoas. Faltam alimentos, botijões de gás, produtos de higiene pessoal (para reduzir os riscos de contágio e transmissão do vírus) e mais uma infinidade de coisas que dariam um pouco de dignidade àqueles que vivem às margens da sociedade.
Observação 2: a intenção do título é sinalizar que você não deve perder o seu tempo debatendo com pessoas que juram de pé junto que o caos em torno do coronavírus é resultante da intenção da Globo e da Folha de São Paulo de promover a desmoralização do presidente.
Observação 3: dizer que estou amando a quarentena porque odeio trabalhar não será um argumento válido, haja vista eu ser integrante da equipe técnica do Centro de Referência de Assistência Social, portanto, um profissional considerado essencial pelo decreto do presidente que, desta forma, segue trabalhando.
Observação 4: hoje o Beppe Sala, prefeito de Milão, cedeu e disse que a estratégia de ser contrário ao isolamento “foi um erro”. Um mês atrás o mesmo estava lançando a campanha “Milão não para”. Naquela data a Itália contabilizava um total de 12 mortes; nas últimas 24 horas foram mais de 919.
Observação 5: aceitarmos a inevitabilidade do isolamento nos dará tempo e energias para que possamos vislumbrar formas de reduzir os danos causados pelo mesmo. Ideias que visem garantir os mínimos sociais para que cada pessoa possa passar por este momento da melhor forma possível é um bom começo.