Categories: COLABORADORES

Não é fácil deixar ir

Nas férias de julho desse ano, fui ao Rio Grande do Sul visitar parentes e, chegando na casa dos meus tios, na pequena Roque Gonzales, ao me dirigir até o quarto da minha prima de 7 anos, encontrei algumas coisas que costumavam ser minhas: ursos de pelúcia e um troféu do Mickey que comprei na viagem que fiz à Disney, agendas e uma cadeira colorida – a cadeira mais linda que já tive – em frente a um computador que um dia também já foi meu.

Há algum tempo, saí da cidade em que morei por toda a minha vida e decidi mudar de estado, deixando minhas coisas para trás. Dada a dificuldade de trazê-las comigo, minha mãe resolveu repassá-las para essa prima, a menos até que eu pudesse ir buscando aos poucos. E, agora, eu era livre para pegar de volta o que eu quisesse.

Vi diversas coisas que me seriam úteis e, sobretudo, recordações de momentos importantes da minha vida materializadas naquele quartinho lilás e, por um momento, confesso que tive ciúmes por elas, quis agarrá-las e trazê-las de volta para mim, afinal, como minha tia fez questão de salientar, elas eram minhas.

Mas, nos dias que se passaram, vi que a almofada do Bisonho que acabaria por me servir de mero enfeite era a mesma que zelava o sono de uma criança; que a Minnie gigante que provavelmente estaria jogada na prateleira inalcançável do meu armário era a decoração principal da sua cama; que aquele era o seu primeiro computador e que a cadeira colorida certamente ganharia novas cores aos olhos dela.

Claro que é saudável e prazeroso que a gente se permita ter por perto aquilo que – ainda que guardado numa gavetinha empoeirada -, dado o valor sentimental, consideramos importante. As coisas materiais estão impregnadas de significado e, muitas vezes, se desfazer de uma boneca é como deletar a criança que fomos.

Mas é importante, também, que saibamos o quão edificante é, muitas vezes, deixar ir. Conheço adultos que mantêm, na casa dos pais, caixas e caixas contendo todos os brinquedos de sua infância. Elas ficam lá apenas para garantir o afago da memória; intocadas e ocupando o lugar do novo.

Não dispenso aquilo que preciso e as pequenas regalias que tornam a existência mais prática e confortável, mas, sabendo que aquilo que é apenas material é substituível e que, muito antes dos objetos, minha trajetória está armazenada dentro de mim e compondo o tempo todo quem eu sou, apesar de nem sempre ser fácil deixar ir, opto por guardar aquilo que não é essencial – e que poderia estar sendo motivo de sorrisos maiores por aí – apenas nas fiéis prateleiras da memória.

Patrícia Pinheiro

Patrícia Pinheiro tem 25 anos, é natural de Santa Maria - RS, morando em Florianópolis -SC. É formada em Psicologia e amante das palavras. Poeta e escritora, compartilha seu trabalho em suas redes sociais e é colunista do site Conti outra.

Share
Published by
Patrícia Pinheiro

Recent Posts

Com Julia Roberts, o filme mais charmoso da Netflix redefine o que é amar

Se você é fã de comédias românticas que fogem do óbvio, “O Casamento do Meu…

40 minutos ago

O comovente documentário da Netflix que te fará enxergar os jogos de videogame de outra forma

Uma história impactante e profundamente emocionante que tem feito muitas pessoas reavaliarem os prórios conceitos.

10 horas ago

Nova comédia romântica natalina da Netflix conquista o público e chega ao TOP 1

Um filme charmoso e devertido para te fazer relaxar no sofá e esquecer dos problemas.

10 horas ago

Marcelo Rubens Paiva fala sobre Fernanda Torres no Oscar: “Se ganhar, será um milagre”

O escritor Marcelo Rubens Paiva, autor do livro que inspirou o filme Ainda Estou Aqui,…

1 dia ago

Série que acaba de estrear causa comoção entre os assinantes da Netflix: “Me acabei de chorar”

A produção, que conta com 8 episódios primorosos, já é uma das 10 mais vistas…

2 dias ago

Além de ‘Ainda Estou Aqui’: Fernanda Torres brilha em outro filme de Walter Salles que está na Netflix

A Abracine (Associação Brasileira de Críticos de Cinema) considera este um dos 50 melhores filmes…

2 dias ago