Erick Morais

Não envergonhe a criança que você foi um dia

No livro “O Pequeno Príncipe”, Exupéry dedica este ao seu amigo Léon Werth, mas não ao seu amigo como está, e sim, a criança que Léon fora. Assim, como Antoine, eu também não dedico este texto ao que vocês são hoje, mas a criança que um dia existiu e que, espero eu, ainda exista dentro de cada um.

Quando pensamos na infância, automaticamente nos lembramos de magia. A magia que torna o mundo um lugar mais bonito e colorido. A magia que permite que o pouco se transforme em muito, que a imaginação transforme a sala em um reino secreto, onde se escondem cachorros voadores e pássaros do tamanho de elefantes. A magia que nos faz olhar para o céu e perceber uma história sendo contada pelas nuvens. Esse tom lúdico e onírico vai sendo deixado de lado conforme nos vamos envelhecendo.

E por quê? Porque vamos sendo sufocados pelo desespero de ser adulto e ser adulto, consequentemente, é ter obrigações, ter sucesso, ser vitorioso e em determinados momentos e lugares, obviamente, ser feliz.

Entretanto, jamais, em hipóteses alguma, é poder brincar, sorrir com o pouco e enxergar o belo oculto nas pequenezas do cotidiano. Tudo deve ser determinado e enquadrado metricamente segundo os padrões de felicidade impostos por pessoas que nunca ouviram sequer a nossa voz. E, assim, torna-se claro o motivo que nos faz deixar de sonhar e sentir a magia que se esconde em lugares que os olhos adultos jamais conseguem enxergar.

Outra coisa que se perde à medida que se envelhece é a curiosidade. As crianças jamais se contentam com respostas fáceis, com lógicas matemáticas, com “É assim e pronto”. Elas querem saber por que a chuva cai devagarzinho e não de uma vez, por que abóbora nasce no chão e jabuticaba dá em árvore, por que misturando azul com amarelo tem-se verde e não vermelho, ou seja, as crianças estão interessadas na essência das coisas, da vida e, portanto, querem mais do que respostas prontas.

Por outro lado, nós nos conformamos tanto com respostas prontas, com soluções mais fáceis, que nos tornamos inaptos ao questionamento, de tal maneira que passamos a aceitar absurdos como verdades últimas, simplesmente por sermos incapazes de falar mais uma vez: “Por quê?”.

Assim como nos acostumamos com respostas prontas, nos acostumamos assustadoramente com pessoas rasas e relacionamentos superficiais. Sempre fazemos as mesmas perguntas, fingindo entusiasmo com uma resposta que já estamos carecas de saber. E isso acontece porque não nos preocupamos com o essencial.

Queremos saber quanto uma pessoa ganha ou quanto custa o novo carro que ela comprou, porque só conseguimos valorar as coisas e as pessoas na medida em que transformamos tudo em cifras. Todavia, de que adianta saber isso e não saber de alguém que chamamos de amigo o seu maior sonho, o seu medo mais oculto, a sua brincadeira favorita, o filme que o faz chorar, o animal de estimação que queria ter, mas não tivera?

Muitos podem dizer que o que simplesmente acontece é que vamos perdendo a capacidade de sentir, criando resistência, conforme o mundo nos machuca. Os que assim pensam não estão completamente errados e, de fato, nunca conseguiremos retornar para a infância, porque cada fase na nossa vida é única e o tempo é sempre misterioso e não deixa pegadas.

No entanto, o mundo não precisa de duendes para possuir magia. Ele precisa de almas desbravadoras, capazes de enxergar o óbvio e mergulhar no universo que existe em cada ser humano e em cada pedaço de terra que nos cerca. Para isso, é preciso ter guardado sempre ao alcance dos olhos a criança que fomos um dia, a fim de que possamos, por alguns instantes, nos livrar da nossa frivolidade adulta e, mais uma vez, sermos capazes de sorrir gratuitamente para a beleza da vida, já que são esses sorrisos que permitem que as memórias sejam renovadas e a nossa história não seja apenas a repetição de um filme que não emociona nem mesmo o seu criador.

Do contrário, tudo que possuímos fica resumido ao interior de uma casa velha ou de um sonho perdido entre as montanhas da selva de pedra. Até que deixamos de se lembrar, inclusive, dessa casa velha e passamos a não entender o significado de sonhar. Quando isso acontece, não há mais retorno e, então, esta carta não fará o menor sentido, porque nos tornamos apenas gente “grande” envergonhando a criança que fomos um dia.

Erick Morais

"Um menestrel caminhando pelas ruas solitárias da vida." Contato: erickwmorais@hotmail.com

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