“Papai, eu estou gostando da Bia…”.
Aos oito anos, na graça de sua precocidade, meu filho João me conta disposto, como quem revela uma decisão definitiva, que decidiu tomar parte na maior e mais democrática alegria da vida, esse tesouro imenso de querer bem a alguém.
Não, meu filho não vai fazer as malas, largar os estudos, deixar a família e viver com a amada numa casa de árvore. Ele só está sentindo amor em seu coraçãozinho sem culpa, sem medo, sem maldade. E eu não vou explicar a ele que é cedo ainda, que as crianças andam muito apressadinhas e que é bom ele fazer a lição de casa e deixar de coisa. Não carece.
João anunciou que está gostando da Bia e isso é um milagre. Neste mundo tão entrecortado por violências e desavenças e todo tipo de malquerenças, um menino se faz alheio a tudo isso e anuncia que gosta de sua coleguinha da escola. O mundo ainda tem jeito!
Por favor, senhores governantes, donos do mundo, monarcas do capital, comandantes dos rumos da economia: tenham a bondade de por esses dias não fazer nenhuma extravagância. Segurem os decretos, os pacotes e as medidas radicais para depois. Adiem os anúncios de guerra, esperem um bocadinho para ordenar a contenção de despesas. Não custa. Aguardem um minuto antes de alarmar as bolsas, retrair o mercado, promover a recessão, incentivar as demissões em massa! Esperem um pouco. Meu menino está sentindo amor! É favor não atrapalhar.
Por gentileza, cavalheiros foras da lei, bandidos, assaltantes, assassinos, estelionatários e desonestos de toda ordem. Quem sabe os senhores não abandonam essa vida triste de desvio e se dão conta de que, se um menino de oito anos pode sentir amor e anunciá-lo por aí, é certo que não é impossível um adulto tomar jeito de gente, arrumar outro afazer mais tranquilo, produtivo, aprender um ofício, qualquer um, firmar num trabalho, abrir um negocinho direito. É que eu acredito mesmo que o amor transforma tudo, sabe? O amor a tudo melhora. Quem sabe os senhores não se apaixonam também e esquecem essa vida torta?
Alguém decerto há de perguntar: “mas o que têm a ver com seu filho o mundo, a economia, a política, a violência urbana?”. Eu respondo: nada! Nenhum dos senhores e das senhoras tem obrigação de esperar meu menino sentir amor para tocar suas vidas. Não se trata disso. É que ninguém precisa pedir licença para sonhar alto, sonhar grande. E uma criança descobrindo que gosta de alguém escancara a porta dos sonhos. Não reparem, não. Mas esse negócio de ver meu garoto apaixonado me encheu de esperanças.
Outro alguém há de acusar: “quero ver o que pensa disso o pai da Bia…”, e eu não perco um só segundo para explicar-lhe que o amor de uma criança de nove anos – pelo menos o da criança que eu educo em minha casa – não tem maldade. Não tem hora certa. Não faz mal. Quanto antes, melhor. Logo, o pai da Bia não há de se preocupar. A quem duvida, que vá ver se estamos todos na esquina. João e eu, Bia e o pai dela e todo mundo.
Miro discreto o olhar perdido do meu filho, distraído sobre sua lição de casa. Decerto está pensando nela, lembrando como é divertido brincar de qualquer coisa na escola ao lado dela. Ele transpira tanta inocência que eu não consigo deixar de pensar: “pobrezinho do meu filho…”. Mal sabe ele que esse mundo tão cheio de desencontro vai fazê-lo chorar tanto e tantas vezes. Beijo sua testa, bagunço-lhe o cabelo e peço a Deus que me mantenha perto nas tantas horas em que ele haverá de sofrer. Não posso evitar a dor, mas comprar um sorvete e ver um desenho juntos na TV já ajuda.
Olhando meu pequeno, penso em toda essa gente grande pontificando sobre “amor certo na hora errada” e me dou conta do quanto eu não acredito nessa história. Se tem amor, a hora é o que menos importa.
Acontece que isso agora não tem a menor importância. Nenhuma dessas questões importa por enquanto. Deixemos isso pra lá. Agora, agorinha mesmo, meu pequeno herói, meu menino, meu filho João se deu conta de que é um ser que sente amor.
Ouço cheio de esperança e orgulho sua declaração indireta – “Papai, eu estou gostando da Bia…” – e respondo a ele sem medo:
“Eu também, meu filho. Eu também!”.
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