Marcel Camargo

Não queira ser consolado por quem te machucou

Li por aí que pessoas feridas ferem pessoas. E tem mais: muitas vezes, pessoas feridas ferem aqueles que são mais próximos, quem realmente as ama com sinceridade e caminha junto, de perto. A dor faz isso, cega e se espalha de maneira injusta, não raro com crueldade. Por essa razão é que costumamos descontar nossos problemas em pessoas com quem temos mais intimidade.

Geralmente, as pessoas tratam mal quando sabem que serão perdoadas. Filhos, por exemplo, costumam destratar seus pais, na certeza de que o amor permanecerá o mesmo. E é desse jeito que a dor se espalha entre pessoas cujos laços são mais fortes. Quando a escuridão toma conta de nossas almas, temos necessidade de expulsar aquilo de dentro de nós e acabamos jogando o nosso pior em quem estiver mais perto.

Por outro lado, existirão pessoas que nos machucarão gratuitamente, deliberadamente, sem que consigamos enxergar um porquê naquela atitude, que, para piorar, repete-se continuamente. Repete-se, como se nunca fôssemos alguém com sentimentos, alguém visível, alguém vivo. Agirão à nossa revelia, sem se importarem com o que iremos sentir, com o tanto que sofreremos. Haverá quem trairá, quem mentirá, quem se esquecerá da gente, quem magoará, ignorará, quem passará por cima. E de novo e de novo.

O duro é quando a gente quer ser consolada justamente por quem machucou sem parar, por quem já recebeu o nosso perdão inúmeras vezes, mas o amassou e o jogou no lixo toda vez. Difícil será perdoar quando o outro errou sabendo exatamente o que estava fazendo, esquecendo-se de que estaríamos aqui nos decepcionando com aquilo tudo. E, muitas vezes, ninguém conseguirá fazer nada para amenizar nossas feridas, porque estaremos ainda apegados ao consolo de quem machuca.

Cabe-nos, portanto, valorizar a nossa capacidade de perdoar e de receber perdão, para que sejamos vistos como alguém com sentimentos, com personalidade, com limites. É preciso deixar claro que tudo tem limite, desde o perdão até a bondade, para que não nos tornemos alguém banalizado, neutralizado, pisado. E lembremos que, muitas vezes, quem menos poderá nos consolar será quem queríamos, ou nunca sairemos desse ciclo de mágoas sem fim.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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