Naufrágio iminente

Felizmente, nenhum dos meus contatos facebookianos comemorou a morte de qualquer criança.

Mas, entre outras coisas, vi quem cobrasse o preço do avião ou divulgasse uma matéria antiga, cujo título sugere que Lula proibiu a vacina que matou o próprio neto.

Perguntei-me se leram o artigo que publicaram, porque o texto revelava algo diferente daquilo que quiseram propagar.

Vi cristãos duvidando do sofrimento do avô que acenou para a multidão e discursou diante do corpo da criança.

Pouco importa se ele não poderia cumprimentar as pessoas, uma a uma. Não se cogitou que discursar em público está no DNA deste homem, e que era ali a única forma possível de se expressar e comunicar com quem lhe prestava solidariedade na tragédia.

Seria muito difícil entender isso? Não creio.

Como disse uma ex-aluna, que não é esquerdista, Lula nunca será um preso comum. Ele é um dos ex-Presidentes da nossa República. Sua situação de condenado, ainda que por sentença penal proferida de forma correta e justa, não retira dele essa condição.

Nunca fui petista, nem lulista ou coisa que o valha. Vi meu status político mudar de “coxinha” para “comunista” em 4 anos enquanto minha visão de mundo permanecia rigorosamente a mesma.

Não, amigos, não foi em mim que se operou qualquer mutação.

Eu é que não os reconheço mais.

Vocês não perceberam quando uma indignação legítima derivou para ódio irracional e insalubre.

FHC viu seu legado injustamente descrito como”herança maldita” pela militância e pelo próprio Lula. E lá estava ele no velório, abraçando o adversário político histórico, capaz de enxergar no oponente não mais que um homem dilacerado pela dor.

Na guerra, abrem-se corredores humanitários. Há regras para o tratamento de feridos, enfermos, náufragos, prisioneiros, sem que isso signifique tomada de posição ou juízo de valor sobre o confronto.

É urgente que se humanize as divergências políticas.

Embates ideológicos não podem ser entraves para a empatia e a humanidade.

Como não se enternecer com o cenário de uma criança morta, uma família enlutada, um homem que deixa a prisão por duas horas para enterrar o neto e consolar o filho da mais devastadora perda que um ser humano pode enfrentar.

Uma correnteza arrasta almas boas para a insensatez e perversidade. Mas ainda é possível abandonar o fluxo que conduz ao abismo ético e moral definitivo.

Salvem-se, amigos, enquanto é tempo.







Formada em Direito pela Universidade de Brasília, e mestre pela Universidade de Paris I (Panthéon-Sorbonne). Advogada, é professora de Direito Internacional Público. É muito feliz na escolha profissional que fez, mas flerta desde sempre com as letras.