Nem sempre a culpa é necessária

Já escrevi que experimentar emoções e sentimentos é essencial no processo de autoconhecimento e evolução pessoal. Raiva, tristeza e medo, por exemplo, fazem parte do repertório das vivências cotidianas, como resultado de circunstâncias que não controlamos. É natural sentir raiva, quando a pessoa considera que foi prejudicada ou lesada em seus direitos; tristeza quando passa por uma situação de perda; medo quando confrontada com algo ameaçador. Dependendo do caso, raiva, tristeza e medo impedem dificuldades maiores e salvam o indivíduo de perigos. A raiva pode interromper um ato de injustiça; a tristeza nos humaniza; o medo sinaliza para os riscos que devem ser evitados.

As emoções negativas deixam de cumprir seu papel de promover reflexão e mudança de comportamento quando tomam dimensões exageradas e causam paralisia. A raiva que não se controla pode virar transtorno explosivo intermitente; tristeza sem fim pode acabar em um quadro depressivo; medo excessivo pode gerar um transtorno de ansiedade, como o de pânico. E assim também é com a culpa. Sentimento necessário para a convivência humana em seu mais amplo sentido, afinal, sem ela, todo desejo seria permitido, independentemente das consequências para o outro, a culpa pode se tornar prisão e fonte de sofrimento. Se ela serve de sinal para se pensar sobre um erro cometido e leva a uma mudança positiva de comportamento, tem uma função adaptativa.

Mas, quando o sentimento de culpa se torna desproporcional, provoca uma série de comportamentos desadaptativos que só fazem aumentar o mal-estar. Um deles é não conseguir recusar pedidos descabidos, responsabilizando-se por pessoas que podem perfeitamente cuidar de si mesmas, mas preferem depender dos outros. Isso é muito comum de acontecer nas relações familiares, onde as pessoas com baixa autoestima têm maior possibilidade de cair nas armadilhas da chantagem emocional, considerando-se responsáveis pelo bem-estar do outro. Uma coisa é cuidar com amor, outra, bem diferente, é se deixar escravizar pelas necessidades alheias. Isso faz com que a pessoa descuide de si mesma, fique sobrecarregada pelas demandas de terceiros, ao se obrigar a atendê-las sem medir as consequências. Mas as tentativas de se sentir aceita e amada apenas alimentam a culpa, porque, como nada que se faça parece suficiente, é preciso intensificar as ações.

Relacionamentos saudáveis são baseados em respeito e confiança, e a culpa não contribui para que eles sejam satisfatórios para todos os envolvidos, ao contrário, pode originar ressentimento, mágoas e raiva, que envenenam qualquer convívio. Esse sentimento pode ter origem na infância, quando o indivíduo se sente rejeitado pelos adultos que o cercam, percebe-se como alguém que não merece amor e tenta compensar isso se aproximando das pessoas para conquistá-las. E, mesmo adulto, se considera imperfeito, e tudo fará para se provar digno de afeto. Mas, sem a compreensão das causas dessa visão tão depreciativa de si mesmo, a pessoa não é capaz de fazer as mudanças que a libertarão. Invista no autoconhecimento, faça psicoterapia.

Maria Cristina Ramos Britto

Psicóloga com especialização em terapia cognitivo-comportamental, trabalha com obesidade, compulsão alimentar e outras compulsões, depressão, transtornos de ansiedade e tudo o mais que provoca sofrimento psíquico. Acredita que a terapia tem por objetivo possibilitar que as pessoas sejam mais conscientes de si mesmas e felizes. Atende no Rio de Janeiro. CRP 05/34753. Contatos através do blog Saúde Mente e Corpo.

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