O filósofo inglês Bertrand Russell dizia, com pesar, que “todo o problema do mundo é que os tolos e fanáticos estão tão certos de si mesmos, e as pessoas sábias, tão cheias de dúvidas”.
Essa alegação pode parecer mesquinha e arrogante, mas Russell, sábio ou não, estava certo. Costumamos nos inspirar em pessoas determinadas, resolutas, decididas e abastecidas com certezas absolutas, e assim nos esquecemos de que essas certezas são o que, em geral, alimentam a ignorância e provocam os erros persistentes.
Geralmente evitamos a autodúvida. Não damos ouvidos a ela porque estamos desejosos por assertividade e um certo nível de controle em ação e pensamento.
As pessoas rechaçam o aprendizado de se tornar confortáveis com a incerteza e ambiguidade, duas constantes no comportamento humano. Elas são resistentes em questionar suas crenças e opiniões enraizadas. Ignoram a importância do ceticismo saudável. Não duvidam de tudo, muito menos de si mesmas, por considerarem que isso é um defeito, não uma falha natural da qual devem transformar em seu favor. Essa atribuição de defeito – uma atribuição defeituosa, de fato – provém do pensamento de que, “quando você duvida de seu poder, você dá poder à sua dúvida”, como afirmado pelo escritor francês Honoré de Balzac.
Autodúvida pode ser facilmente retroalimentada pelo poder que se dá a ela, enquanto se observa que muitas pessoas cheias de si, confiantes, espertas e munidas de certezas acabam arruinadas pela própria insensatez. Nicolau Maquiavel, em seu livro O Príncipe, disse:
“Deve ser grave no crer e no mover-se, não ter medo de si mesmo; e proceder com prudência e humanidade, de modo que a excessiva confiança não o faça incauto e que a excessiva desconfiança não o torne intolerável.”
É fácil sentir uma sensação de fracasso quando não confiamos em nós mesmos. Realmente, a vida se torna um holocausto ao cair no círculo vicioso da autodúvida. Mas a decepção não é completamente eliminada pela confiança irreversível em si próprio. Como todo tipo de crença, essa pode nos limitar. Nesse caso, parece ser mais adequado duvidar.
Preferimos fugir da autodúvida por medo da confusão, esta que é uma causa comum de tormento, quando, por outro lado, pode ser um prelúdio da estabilidade e organização criativa.
Quase todas as pessoas que se dizem confusas estão assim ou por que não sabem ao certo o que querem, ou pelo fato de terem confiado em si mesmas, senão em alguém que as confundiu. Nem sempre devemos acreditar em nós mesmos, ou então nos outros, por mais seguros que estejamos.
Bem, não é porque quebramos a confiança no passado que devemos considerar prejudicada nossa capacidade de ser confiável. Confiança é algo construído ao longo do tempo, pouco a pouco. Tem a ver com o reflexo das nossas escolhas sobre quem nos relacionamos, além da maneira como buscamos ser verdadeiros o máximo possível, dentro dos limites de nossa natureza, por vezes avariada e dissimulável.
Às vezes, não temos a mínima ideia do que estamos falando, mesmo quando pensamos bem no que falamos. Por se fazer acreditar é que se engana.
A autodúvida, se bem administrada, possibilita a obtenção de conhecimento. “Só sei que nada sei”, dizia Sócrates. Por que ele dizia isso? Por três motivos principais: ninguém encontra respostas sem questionar; ninguém aprende já sabendo; e ninguém sabe de tudo.
Para Sócrates, a prudência do sábio está em não alimentar as ilusões do próprio saber. Nesse contexto, o ceticismo assume papel de importância inquestionável.
Todos acreditam que têm um conhecimento profundo sobre certas coisas, quando na verdade não é bem assim. O filósofo dinamarquês Kierkegaard afirmava que a verdade, inclusive a do conhecimento, é baseada em um construto da intensidade da fé. O ardor com que se acredita é determinante para tornar mais verdadeiro o objeto de conhecimento aos olhos do fiel, mesmo que este não prove a verdade por si mesmo.
Qualquer processo de aprendizado requer um tempo de maturação, prova de que também está fadado ao declínio.
Estamos prontos para aprender durante momentos conscientes. Em estados emocionais vulneráveis, que atingem a inconsciência, somos testados a agir contra a própria vontade, com base em impulsividade. O instinto é um guia sempre confiável? Não. A razão não nos acompanha sempre, razão suficiente pela qual não devemos acreditar em nós mesmos o tempo todo.
Muitas pessoas associam autodúvida com vulnerabilidade, considerando ser poderosíssimo o medo de se machucar ou de ser rejeitado. Mas a verdade é que não podemos aprender a confiar em nós mesmos sem sermos vulneráveis. Nós condicionamos a capacidade natural de acreditar em quem pensamos ser verdadeiro, quando o que se vê é que integridade e sinceridade podem ser desacreditadas por um simples ato mentiroso.
Se não podemos acreditar em nós mesmos em toda e qualquer circunstância, podemos, ao menos, recomeçar a partir de uma falha da própria fé. Pouco importa se fazemos isso a partir do erro, do esquecimento, do arrependimento, da culpa ou do trauma: o importante é não esquecer que o autoconhecimento é um processo que começa no nascer e só termina ao morrer.
Existe uma voz dentro de nós que nos desencoraja (aquela que vem da covardia), e outra voz que nos impele à bravura (aquela que vem da coragem). Autodúvida não necessariamente remete à falta de coragem, embora a covardia seja permitida pela ausência de confiança. Entre os que são paralisados pela covardia medrosa, há tantos outros que são prejudicados pela confiança incauta. A busca de equilíbrio, aí, é o ideal. Mas essa busca de equilíbrio é tão constante quanto se desequilibrar.
É perceptível que a autodúvida, se tornada hábito, nos faz sentir perdidos. O desejo de confiança é comumente maior do que o medo de se perder.
A vertigem de estar parado no tempo enquanto outros estão tocando suas vidas é angustiante, e uma grave ameaça para autoestima. Assim, foge-se da autodúvida como de um animal selvagem. Morre quem deixa os ventos da fortuna o derrubar.
A necessidade de manter-se em movimento e de dar o próximo passo na vida não surge sem que, antes, nos rendamos à autodúvida. Esta, por si só, é um bom motivo para que permaneçamos insatisfeitos ao mantermos-nos parados. Afinal, estando parados, sentimo-nos degradados, inválidos, acometidos por um sentimento crítico de insignificância.
São admiráveis as pessoas que conseguem renovar sua motivação todos os dias; estas estão sempre procurando soluções para os problemas frequentes do absurdo existencial. Tudo bem que há uma importância na incerteza e na ambiguidade da autodúvida, mas essa importância reside no fato de que é necessário criarmos uma estrutura motivacional, a fim de isso nos proteger dos ocasos de viver.
As pessoas que duvidam de si mesmas ocasionalmente são ainda capazes de recuperar a perda da fé, se sua resiliência estiver em voga. Por outro lado, as pessoas que duvidam de si mesmas e se rendem pela força desse hábito criam ciclos de autoperpetuação de medo, estresse e ansiedade para garantir que nunca vão fazer o que pretendem. Qual a saída para quebrar esse ciclo? Ação.
A maioria de nós passa a vida ouvindo nossos pais, professores, chefes e o nosso governo falarem sobre aquilo que nos é adequado ou correto fazer. Temos sido criados com a ideia de que, apesar do que escolhemos fazer, há certas imposições, tradições e preceitos que se deve respeitar e seguir à risca, e o resultado é que corremos o risco de estar sendo condicionados à uma vida mecânica e inautêntica.
Educação de verdade não é a que ensina o indivíduo a obedecer, mas a que estimula a pensar crítica e originalmente. Deixamos ser moldados pelas preferências e expectativas dos outros, e uma das consequências disso é que perdemos a confiança em nós mesmos.
Quando seguimos um caminho de vida pré-determinado e baseado por um modelo passado, e acabamos frustrados nesse objetivo, temos duas opções: lamentar por ter apoiado em bases insustentáveis; ou reagir, partindo em busca de outro objetivo. Na primeira opção, a da lamentação, agimos como crianças imaturas e aceitamos a derrota, sendo assim definidos por ela; na segunda opção, agimos como indivíduos que renovam os sentidos de sua existência.
É comum perder a confiança em nós mesmos quando pensávamos estar tomando uma boa decisão que, na realidade, mostrou-se desastrosa e dolorosa. Como humanos, todos nós cometemos erros, portanto, a autodúvida nunca nos abandona.
Precisamos confiar em certas pessoas para sobreviver, porque nesse mundo não se faz nada sozinho. Isso é inegável. Mas a vida também ensina que corremos o risco de ser traídos. Isso não pressupõe que devemos nos voltar contra o mundo, algo inútil em termos de retorno. Parte do desenvolvimento humano se baseia em confiança; só não podemos esquecer que parte da maturidade se baseia em não depositar mais expectativas na pessoa do que a confiança lhe merece. Falhamos nisso o tempo todo.
Ninguém pode ser tão confiante em nós, a não ser que sejamos capazes de reconhecer a fé nos outros, o que decorre de confiar em nós mesmos. Mas há um limite para isso. Nossa mente nos prega peças sem que consigamos perceber. A confiança também pode ser uma emboscada.
O escritor e blogueiro americano Mark Manson escreveu um artigo em que ele elenca oito motivos psicológicos para demonstrar por que não devemos acreditar em nós mesmos cem por cento do tempo. Embora alguns desses motivos sejam controversos, não deixam de ser potenciais indicadores das falhas na autoconfiança. São eles:
1. Somos tendenciosos e egoístas sem perceber;
2. Não temos uma pista concreta sobre o que nos faz felizes ou infelizes;
3. Somos facilmente manipulados a tomar más decisões;
4. Geralmente usamos razão e lógica para apoiar nossas crenças pré-existentes;
5. Emoções mudam nossas percepções mais do que imaginamos;
6. Nossa memória é falha;
7. Nem sempre nós somos quem pensamos ser;
8. Nossas experiências físicas de mundo não são necessariamente reais.
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