Estava aqui pensando numa forma de amenizar a carga dessas protagonistas da fábula, já que, embora tendo êxito, a formiga se matava de trabalhar, e, durante um período grande, era só que fazia.
E um monte de nós faz exatamente do mesmo jeito, prevendo os mais tenebrosos futuros, catástrofes e apocalipses que nunca virão.
É preciso dosar. Nosso passado dá um tom para o nosso futuro, mas não pode ser o comandante deste barco. Quem de nós nunca passou um sufoco, temendo um amanhã incerto, aquela noite de angústias por não ter no que se agarrar? Isso é horrível e quem dera pudéssemos pular essa parte, ou ao menos esquecer. Mas a vida não se resume somente a prevermos os momentos mais duros e estocarmos incessantemente o que julgamos ser vital para sobreviver.
Se for para pensar dessa forma, aí vai uma reflexão: Numa situação extrema, quem de nós conseguirá se fechar junto com suas conquistas e deixar um irmão, um amigo, um semelhante seu desprovido do essencial? De que adianta ser uma formiga egoísta, se for para passar o inverno condenada à solidão e à mesquinharia?
E a cigarra? A pobre infeliz que provavelmente cantava e cantava para espantar seus medos, para não demonstrar que quase nenhuma habilidade tinha, a não ser cantar? É certo que ela nem tentou, como muitas vezes nós fazemos. Se há alguém fazendo por nós, por que não sair e cantar?
Eu não gosto de ser formiga, embora me identifique mais com ela. Tampouco me agradaria ser cigarra, pois em pouco tempo o tédio me mataria.
Na minha fábula pessoal, sempre que eu estiver muito formiga, que me cutuque uma cigarra, que me convide a cantar.
E, naquela fase cigarra, indolente e preguiçosa, que apareça uma formiga e me tire da inércia, do eterno e etéreo desfrute, que me convide a construir algo comum.
E que isso seja recíproco, de modo que a “moral da estória”, seja uma troca interessante de valores e vivências. Quando não nos completamos, não desfrutamos.