As observações parecem ser unânimes acerca do comportamento da criança. A família, a escola e todas as pessoas que fazem parte do seu círculo de convivência apontam para questões preocupantes, ilustradas por queixas e constatações: a criança parece não ouvir quando lhe falam diretamente; comete erros por falta de atenção; vive perdendo objetos, brinquedos e material escolar; evita tarefas que exijam maior tempo de dedicação; distrai-se facilmente com os menores estímulos do ambiente; interrompe o que está fazendo porque é sempre atraído por algo mais interessante; esquece compromissos; parece desinteressado e desmotivado das atribuições escolares; raramente termina o que começou, mesmo que seja uma brincadeira; aparenta desânimo, ansiedade e inquietação.

É compreensível que, diante de uma criança que apresente ao menos três desses sintomas, os adultos envolvidos sintam-se preocupados. Alguma coisa parece estar errada! Em geral, esses comportamentos já vinham sendo notados desde que a criança era ainda bem pequena. No entanto, é na escola que essas características desafiadoras tomam corpo e tornam-se mais observáveis.

A rotina escolar, em geral (mesmo nas séries iniciais da pré-escola) é organizada no formato de propostas que exigem que os pequenos passem muito tempo sentados; ou, ainda, que aprendam a guardar suas inúmeras perguntas até que o professor possa atender a todos. Esse formato, no qual é o professor o líder, o centro do saber e possuidor das respostas, vai contra a natural maneira mais solta e dinâmica de funcionamento das crianças. O ideal seria que o currículo das escolas fosse pensado de forma que meninos e meninas pudessem experimentar mais, trocar mais entre si, aprofundar conhecimentos e compartilhar saberes, tendo no professor mais um parceiro; talvez o parceiro mais preparado; mas, ainda assim, um parceiro. Em espaços educacionais que respeitam as fases de desenvolvimento cognitivo, emocional e social das crianças, a ocorrência de transtornos de aprendizagem cai significativamente, assim como diminuem os comportamentos agressivos e opositores.

Ocorre que nossas crianças estão sendo apresentadas à escola, cada vez mais cedo. Ocorre também, que a maioria das escolas não está preparada para assumir esse relacionamento precoce com esses seres tão misteriosos e complexos: as crianças. O resultado? Desencontros cada vez mais frequentes entre os pequenos, as instituições educacionais e as famílias.

As estatísticas apontam para um aumento em escala crescente e contínua, no número de crianças diagnosticadas com algum tipo de transtorno envolvendo o processo de aprendizagem e sua relação com o mundo organizado do saber. O equívoco já começa no horário estabelecido para o início das aulas. Há mais de duas décadas, pediatras, psicólogos, psicopedagogos, neurologistas e neurocientistas realizam pesquisas que comprovam que “ninguém deveria estar na escola às 7 horas da manhã”.

A interrupção do sono tem efeitos danosos ao funcionamento do organismo, como um todo, especialmente as funções neurológicas que envolvem a memória, a atenção e a manutenção de esforço. Isso pode explicar a incidência, cada vez maior de baixo rendimento escolar, irritação, inquietude, ansiedade e agressividade.

Dormir o suficiente para restabelecer o corpo e a mente do esforço empenhado ao longo de um dia inteiro de atividades, é crucial para a consolidação da memória de tudo a que se foi exposto; além de promover melhores condições cognitivas e emocionais para lidar com desafios e realização de tarefas, as mais diversas. Crianças cujas necessidades de sono são respeitadas e garantidas, são mais tranquilas, criativas, atentas e aptas para resolver problemas e enfrentar desafios. O mesmo fenômeno pode ainda ser observado entre jovens e adultos, mesmo que estes apresentem recursos mais desenvolvidos para lidar com situações desconfortáveis.

Outro vilão, não menos perigoso, é o excesso de estímulos a que se expõe os meninos e meninas, sob o pretexto de otimizar o aproveitamento escolar e garantir sucesso nas etapas futuras da vida. Perigoso equívoco! Numa sociedade em que a informação chega cada vez mais rápido em nossas mãos, o acúmulo de conteúdos inúteis oferecido pela maioria das escolas, beira a insanidade.

Há ainda, infelizmente, a prevalência de aulas pouco dinâmicas, exercícios pouco desafiadores e extremamente repetitivos. Além disso, em muitos casos, o conhecimento é tratado como algo descartável; apresentam-se uma série de conceitos, com pouca – ou nenhuma – oportunidade de reflexão e; uma vez avaliados, os conceitos são substituídos por outros que, frequentemente têm pouca – ou nenhuma – relação com o que foi ensinado anteriormente.

A grande maioria das escolas parece ignorar que num mundo onde os acontecimentos podem ser conhecidos em tempo real. É indiscutível o fato de que será mais bem-sucedido, não aquele que for capaz de armazenar mais informações; mas, sim, aquele que tiver oportunidade para refletir sobre os acontecimentos, suas causas, consequências e impacto na vida de todos. Aquele que pôde desenvolver habilidades que o tornem mais competente para compreender a informação, transformá-la em algo significativo e avaliar se ela é relevante ou não. E, ainda, aquele que estiver inserido num ambiente escolar que promova a prática de situações, por meio das quais se desenvolva a habilidade de saber ouvir, relacionar aprendizagens, argumentar com lucidez e priorizar o trabalho em equipe, mais que o destaque individual.

Os diagnósticos cada vez mais frequentes de TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO, merecem um olhar mais cuidadoso. Para que se feche um parecer preciso sobre um distúrbio tão impactante no desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, é fundamental que sejam feitas avaliações por uma equipe multidisciplinar, envolvendo profissionais gabaritados para tanto. É claro que, em muitos casos, o diagnóstico procede. E, sendo assim, cabe a todos os que estiverem envolvidos com o processo de desenvolvimento da criança, assumir a sua parte e fazer o possível para ajudar a vencer os eventuais obstáculos.

Uma vez diagnosticada, a criança precisa ter respeitada sua maneira de aprender e interagir com o mundo, com o conhecimento e com as outras pessoas. É preciso compreender que o transtorno de aprendizagem é apenas um elemento que constitui a forma da criança se relacionar com o saber; o transtorno é parte dela, mas não a define. É fundamental ter empatia por seu sentimento de inadequação, e apoiá-la no enfrentamento de  inúmeras situações aflitivas a que é exposta quando não consegue corresponder às expectativas que se projetam sobre ela. Ter a confirmação da ocorrência de TRANSTORNO DE DEFICIT DE ATENÇÃO, constitui ferramenta indispensável para exercer a maravilhosa tarefa de acompanhar os pequenos em sua trajetória e inserção nos grupos sociais. As maiores lições que podemos oferecer aqui são: flexibilidade; coerência entre discurso e atitude; compaixão e respeito às infinitas possibilidades de interagir com os desafios da vida.

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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