Por Clara Baccarin
Nessa vida, não aprendi a jogar.
Pura mentira, aprendi sim e eu era a melhor jogadora, sabia todos os macetes e podia conquistar o mundo (se quisesse).
Não aprendi, nessa vida, a apreciar e a viver de prazeres fáceis e descartáveis. Mentira também, poderia ter sido a maior colecionadora de momentos rasos.
Me disseram que eu não encontrei os caminhos para o amadurecimento, para o enrijecimento, para a postura de mulher adulta, bem sucedida, cheia de realizações. Eu, atrasada e lerda, não soube perder a ingenuidade, entender as malícias, aprender a dissimular. Não soube desenvolver a esperteza, perceber as intenções sujas por trás dos sorrisos brancos, não soube distinguir a grande falta de amor por trás dos insistentes ‘eu te amo’. Eu não soube ser uma leoa.
Mentira, encontrei todos os caminhos, tinha o mapa completo, aprendi a encobrir minhas sujas intenções com sorrisos brancos. Aprendi como fazia para manter a cara de santa e preservar meu jogo de malícias. Saquei. Saquei tudo, senti tudo, vi tudo, captei. Eu não sou boba meu bem, eu sou é velha, eu sou é apaixonada pela vida e não poderia fazer com ela o que você faz e acha bonito. E acha que está vivendo.
Eu poderia estar hoje aqui orgulhosa, pós-graduada na área de mulher completa e fatal. Rica, cheia de amantes, daqueles que a gente não sente nada, mas caem aos pés. Eu poderia ter aprendido esse vício e ficado nele, não é o que todos fazem?
Eu poderia ter uma listinha de pessoas, pois para manter o ego massageado é preciso variar, é preciso fisgar muitos peixes e deixa-los com o anzol na boca, impossibilitados de nadar, parados nas margens, semivivos, esperando a noite em que serão finalmente intimados a participar de alguma refeição em que atuarão como prato principal, mas só para alimentar mais um pouco o meu ego insaciável.
Eu poderia estar hoje curtindo banquetes, poderia estar procurando aventuras superficiais, cultivando várias para me manter ativa.
Ou poderia então estar seguindo convenções, procurando calmarias em portos mortos, aceitando mais aos outros do que a mim mesma. Me adaptando a uma busca desenfreada de uma coisa que vai me comprar coisas e me acumular de outras coisas para ver se finalmente eu passo a me tornar alguma coisa valiosa nesse mundo.
Eu poderia estar no topo.
Mas, nessa vida eu desaprendi a jogar.
Não sei se foi por lucidez, por acaso, por inadequação. Provavelmente não foi por nobreza da minha parte, deve ter sido porque eu acho esses jogos simplesmente muito chatos. Acho uma tolice medir forças. Acho um desperdício de pessoas, sentimentos e emoções mergulhar na rasura do prazer apenas corporal ou da satisfação apenas da primeira camada do intelecto. Eu acho cansativo e monótono esse cabo de guerra de egos, esse psicologismo barato ofuscando a transparência dos olhares, essa seriedade de quem carrega a vida como um fardo e tem as costas largas e acredita que só assim é possível ser alguma coisa importante por aqui.
Eu acho bocejante e frustrante essas debilitações densas de almas, de personalidades, de posturas que se levam tão à sério. Eu não me animo a assistir ou participar da peça de teatro desses atores de quinta, que já interpretaram todos os personagens menos eles mesmos. É com pesar que vejo esses corpos esforçados, essas almas escravizadas, que parecem encarar a vida como a construção de uma pirâmide que levará ao céu. E o céu é sempre mais além. A gente sempre quer mais, e busca mais e acumula mais para chegar ao topo (de um monte de merda) e poder enfim se afogar nos excessos de si mesmo e nunca mais se encontrar. Mas quem sabe assim, possamos nos enterrar mais decentemente.
Vamos brincar de ‘verdade ou desafio’?
Mas vê se desta vez, pelo menos desta única vez, tenha a coragem de escolher verdade.
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