Marcel Camargo

Ninguém fica onde não existe reciprocidade

Uma das maiores razões do sofrimento humano é a ideia de que possuímos certas coisas e determinadas pessoas, como se fossem nossas. Muitos de nós achamos que o emprego, o cargo, a mesa de trabalho e seus objetos, o parceiro, o amigo são posses, são nossos por direito e ninguém há de mudar isso. Ledo engano.

O que temos de nosso, na verdade, é tão somente aquilo que temos dentro de nós, aquilo que nasce conosco, nosso corpo, nossa mente, nossos sentimentos, vá lá alguns objetos que compramos, nossa vida tão somente. Tudo o mais faz parte do mundo, dos momentos, de segmentos de nossa jornada e, por isso, não têm obrigação de permanecer conosco.

Tudo e todos que estão junto de nós ali permanecerão enquanto for propício, enquanto estiver servindo a interesses, sejam eles de que natureza forem, mesmo que por amor. Podemos ser demitidos a qualquer hora, podemos deixar de amar e deixar de ser amados a qualquer tempo, poderemos ter nossos pertences roubados, nosso cargo exonerado, nossa posição questionada. Como dizem, nada é, tudo está.

Muitas vezes, nosso amor vai embora porque não havia mais nada de bom aqui conosco e algo o interessou em outra morada. Nossos amigos se afastam porque a vida em si distancia as pessoas que não se esforçam por manter laços. Perdemos o emprego porque não correspondemos ao que esperavam de nós. Pode ser nossa culpa, pode nem ser, o que importa é entender que não temos controle ou poder algum sobre o que está fora de nós. Ou regamos, cuidamos e nos importamos, ou não manteremos junto aquilo que for mais precioso e quem faz a diferença em nossas vidas, porque ninguém fica onde não existe reciprocidade.Na verdade, ninguém rouba o nosso parceiro, ninguém tira o nosso emprego, ninguém destrói as nossas amizades, simplesmente porque certas coisas e determinadas pessoas a gente não perde, pois, na verdade, nunca foram nossas de fato. O que sai de nossas vidas apenas estava conosco, mas não era algo aqui de dentro, não nos pertencia, ou nem mesmo nos esforçávamos por mantê-lo. Sim, muitas de nossas perdas são consequência direta da maneira como nos comportávamos em relação a elas.

Cabe-nos, portanto, sermos o melhor que pudermos, dar o que temos de bom, compartilhar o que for mais verdadeiro, onde e com quem estivermos, sem achar que somos donos do que nos rodeia. Assim, nos momentos em que perdermos o que parecia certo, teremos consciência de que fizemos o que tinha de ser feito. Ao final, o que e quem ainda permanecer em nossas vidas será tudo aquilo de necessitamos para que possamos ser verdadeiramente felizes.

Marcel Camargo

"Escrever é como compartilhar olhares, tão vital quanto respirar". É colunista da CONTI outra desde outubro de 2015.

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