Por Nara Rúbia Ribeiro,
Você abre o livro ” A noite do despejo” e, de repente, parece que sente uma cotovelada no estômago, segue mais umas linhas e é uma carícia que lhe aconchega a cabeça a um colo invisível.
O cenário é o mundo real dos desvalidos, feito de barraco, lama, alma e pobreza. E também de sonho e poesia, visão privilegiada a que podemos alcançar tomando por empréstimo os olhos de escritor.
Trata-se da primeira publicação de Joilson Kariri Rodrigues. A história percorre uma noite marcante nas vidas dos miseráveis moradores de uma favela fundada por Dado, narrador dos fatos, e Júlio, quando toda a favela se vê ameaçada de despejo por uma ordem judicial.
Não bastasse isso, percorre uma outra noite ainda mais sombria: a noite das almas daquela gente que tivera desabrigados os sonhos já mirrados pela vida.
A literatura é Literatura quando nos tira da apatia. Quando nos bole por dentro. Quando nos enternece, encanta, ou quando nos assusta. Ler “A noite do despejo” é, a um só tempo, um susto que deslumbra.
Tivemos a oportunidade de conversar com o escritor acerca de sua vida e desta obra. Segue a entrevista.
Joilson, vem de quando a sua ligação com a literatura? Você se lembra da primeira vez que sentiu uma grande necessidade de escrever?
Joilson Kariri- Eu vivi minha primeira infância numa fazenda de café, no Paraná. Meu pai era uma das poucas pessoas alfabetizadas nessa fazenda, então era ele o responsável por ler e escrever as cartas dos outros, a maioria era de gente vinda de outros estados. Eu achava muito interessante isso. Saber ler e escrever dava ao meu pai a condição de conhecedor profundo da vida de todos eles, sabia até das coisas mais pessoais, íntimas mesmo. Eu acho que esse foi o meu primeiro contato com alguma forma de literatura, pois ouvia aqueles relatos das cartas que iam e que vinham, trazendo e levando histórias de vida.
E muitas dessas histórias era ficção pura, mentiras inventadas pelo dono da carta, com o auxílio do escrevedor, que tinham a função de enfeitar a realidade cruel. Era o noivo que contava lorotas à noiva impaciente, que ficara esperando noutro estado e muitas outras histórias parecidas com essas. E nas respostas vinham histórias de gente e de bichos, contadas em detalhes. Fui alfabetizado em casa, por meu pai, que usava livrinhos de cordéis como cartilha nas suas lições, pois esse era o único tipo de livro que tínhamos em casa. Isso foi outra forma de contato com a literatura, mas mais propriamente com o mundo encantado das estórias, que é o que me fascina. Não acho que em algum momento eu tenha sentido necessidade de escrever. Eu gosto de contar estórias e uso a escrita para contá-las.
Você emprega, em seus textos, uma linguagem coloquial. Descreve, sempre, a dor do fraco, do pobre, do desvalido. Suas origens deram a você substrato à sua temática? Conta-nos um pouco da sua vida.
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“O ambiente ali tem gritos e cheiro de suor, a noite tem cheiro de sangue, de dor e miséria. Passo entre os exaltados querendo ser invisível, me sentindo um estrangeiro na favela que eu fundei com a ajuda de Julio.” “Meu medo? Meu medo era que aquela noite nunca se acabasse, pois tenho pra mim que a espera de um acontecimento ruim pode ser pior que o próprio acontecimento”
de Joilson Kariri
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Joilson Kariri- Quando se cria tendo como base as suas próprias vivências, com certeza será mais convincente. Eu vivi parte da minha vida no Paraná, outra parte no Ceará e vivo há mais tempo ainda em São Paulo. Tenho esses três mundos dentro de mim e às vezes eu misturo eles para montar uma personagem ou uma história. A Cultura nordestina fala mais alto em mim, porque mesmo quando vivia no sul, convivia com a minha família que é de lá e fazia questão de preservar seus costumes. Mas eu carrego a influência dessas três regiões e tento passar isso na minha escrita. Eu tenho uma história de vida comum, como a imensa maioria dos brasileiros, que é formada por pobres. Escrevo mais sobre esses tipos porque foi com eles que eu mais convivi e convivo até hoje. A poesia está em tudo, no belo e no feio, na pobreza e na riqueza, portanto é só uma questão de escolha de onde vai fazê-la brotar. É da natureza do escritor escrever sobre as coisas do seu tempo e espaço. Os meus espaços são as periferias, os guetos, as ruas marginais, mas também é o interior, a roça, o sertão. Por consequência, os tipos que fazem as histórias desses espaços, são, em sua maioria, os que se encaixam nessas descrições que você citou.
Você está publicando, agora, de modo independente, o romance “A noite do despejo”. Diga-nos dessa sua experiência. Lidar com o mercado editorial, no Brasil, é algo complicado?
Joilson Kariri- Não sei como é lidar com esse mercado, pois nunca tive a oportunidade de viver essa experiência. Conheço o antigo mercado fonográfico, pois trabalhei com cantores e vi de perto como a coisa funcionava. Acredito que não seja muito diferente, afinal, o processo de atividade é muito semelhante. É natural no Brasil que primeiro o autor tenha que provar que seu trabalho tem público, para só depois ser aceito por uma editora. Publicar por uma editora não significa exatamente que o sujeito seja bom, significa, em muitos casos, que ele possui influências nesse meio. Os editores dão preferências pelos autores celebridades, pois esses que já vêm com um trabalho de mídia prontinho. Noutros casos, eles publicam os amigos e os indicados dos amigos.
Quando e como o livro estará à disposição dos seus leitores? Como fazer para adquiri-lo?
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