Por Tatiana Nicz
Em algum momento do ano passado entrei em contato com o trabalho da Brené Brown, ela é uma pesquisadora americana que dedicou mais de dez anos de sua vida pesquisando temas como vergonha, vulnerabilidade, criatividade e autenticidade. Enquanto pesquisava ela entrevistou centenas de pessoas tentando entender o que exatamente diferenciava as pessoas que ela intitulou “wholehearted” (que alcançaram plenitude) com pessoas que estão emocionalmente miseráveis. E o que ela descobriu é que uma vida “wholehearted” está ligada à nossa capacidade de sentir empatia e à nossa capacidade de sermos vulneráveis.
Eu devorei o trabalho dela e foi o que me ajudou a entender que eu podia e devia ser vulnerável em uma fase em que precisei de acolhimento. Depois que entendi isso e me vi totalmente vulnerável, todos os tipos de relacionamentos na minha vida mudaram. Não foi um processo fácil, porque a nossa cultura não nos convida a ser vulnerável. Nos dias de hoje erroneamente confundimos vulnerabilidade com fraqueza, então para evitar esse rótulo e muita exposição colocamos máscaras e almejamos perfeição. E assim, estamos todos sempre muito bem, lindos, felizes.
O que não entendemos é que em um ambiente permeado pela “perfeição” não existe espaço para conexão. Certamente as melhores conversas que tive na vida e os relacionamentos mais profundos não começaram com “estou bem”. Quando (fingimos que) tudo está bem, nós evitamos falar de nós mesmos e então falamos sobre as coisas: sobre religião, sobre política, sobre a novela, sobre o tempo, dessa maneira não ficamos expostos sob o refletor.
A minha profissão hoje me faz um convite todos os dias e lança um desafio bem interessante nesse sentido. Na nossa cultura, existe uma tendência muito grande de olhar para o professor como alguém que não pode errar. O que tento trazer para minhas aulas é o contrário disso, um ambiente onde todos possam errar e fiquem bem com isso, inclusive eu. O fato de eu estar lá não tem a ver com eu saber tudo, tem muito mais a ver com as experiências que adquiri na vida e um pouco mais de treino e conhecimento sobre o tema, nada disso me torna perfeita.
Trabalhar com crianças é interessante porque elas nos ensinam sobre coisas que são naturais de nós seres humanos e que de alguma maneira esquecemos, saber ser vulnerável e sentir empatia são algumas delas. Esses dias um aluno da turma de kids corrigiu a pronúncia da colega, eu pedi para que eles deixassem esse trabalho para mim e completei com “tudo bem errar, todo mundo erra!”, uma delas então disse: “é verdade os adultos erram e erram muito.” e completou com um “até a teacher erra!”. Senti que venci o desafio a que me propus. Na pureza delas, naturalmente elas já sabem que errar é de fato humano, parece que nós adultos andamos meio esquecidos disso.
Acho que nesse sentido sou parecida com elas, sempre fui péssima em maquiar sentimentos, nunca entendi como as pessoas conseguem esconder o que sentem, fingir que tudo está bem quando não esta, engolir o choro, falar apenas de assuntos amenos. Talvez por ter essa capacidade de expressar minhas vulnerabilidades que eu tenha construído grandes amizades ao longo da vida. E de fato almejo um mundo onde as pessoas possam falar de seus medos, inseguranças, erros, sem que se sintam envergonhadas.
Eu não tenho vergonha de contar minha história, mas o que aprendi com o tempo é que existem pessoas que não merecem escutá-la, é importante que saibamos disso para que possamos nos preservar de julgamentos e comentários pouco acolhedores e que possam nos fazer sentir pior.
Apesar de entender isso, acho um tanto triste que tenhamos que manter tanto controle sob o que queremos expressar. Acho também triste a maneira como tornamos sentimentos tão genuínos em sinal de fraqueza. Nesse sentido, homossexualidade se tornou “anomalia”, homens não podem chorar e mulheres solteiras não devem expressar sua vontade de construir uma família sem que isso seja visto como sinal de desespero, carência ou fraqueza.
Em minha opinião o que não dá para construir mesmo é uma vida plena sem que possamos ser quem somos e expressar nossos sentimentos, desejos, medos e inseguranças para quem quer que seja e sermos amados por isso e não apesar disso e, claro, também acolher isso no outro. Engana-se quem pensa que sentir-se vulnerável é sinal de fraqueza. Estar vulnerável não tem a ver com fraqueza, mas sim com coragem.
Eu quero viver em um mundo cheio de pessoas com essa coragem, que queiram ser vistos e se coloquem sob os holofotes, um mundo onde alguém possa assumir sua opção sexual sem medo de ser condenado, onde os homens chorem sem se sentirem fracos e onde as mulheres possam falar de coisas tão bonitas como maternidade e família sem que sintam vergonha por isso.
Sei que não posso mudar como o outro vai receber minha história e fazer com que ele entenda que ser vulnerável é ser humano, mas posso escolher me permitir estar vulnerável independente do que ele pense e, principalmente, cada dia mais me cercar apenas de pessoas que mereçam escutar minha história e que queiram compartilhar as suas. E enquanto professora também posso escolher construir um ambiente em sala de aula onde meus alunos se sintam seguros em suas inseguranças e que possamos acolher todos os erros com carinho, inclusive os meus.
Eu termino esse (longo) texto da mesma maneira que a Brené Brown termina uma de suas palestras que tanto me tocou: “Se queremos encontrar o caminho de volta uns para os outros, vulnerabilidade é o caminho.”
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