Por IVAN MARTINS
Estar perdido ou sentir-se perdido parece ser parte da condição humana. Ninguém escapa
Gente envolvida com a espiritualidade oriental tem uma palavra bonita para falar de si mesmo. Eles se descrevem como buscadores – pessoas que procuram respostas para as angústias da existência através da contemplação. Os buscadores podem ser religiosos ou laicos, mas todos exibem a disposição de encarar a vida como uma jornada de transformação pessoal e compreensão do mundo. Essa jornada, invariavelmente, começa no momento em que cada um deles se descobre perdido. Considerando o quanto essa experiênciaé frequente, somos um planeta repleto de buscadores em potencial.
Sem a necessidade de consultar estatísticas, eu aposto que a maior tribo do mundo é formada por gente que está na vida sem ter noção do que fazer com ela ou consigo mesmo. São os perdidos. Eles podem ter rotinas, hábitos, obrigações e distrações, mas o senso de propósito e direção está ausente. Vivem um dia depois do outro e às vezes parecem avançar decididamente em alguma direção, mas é melhor não perguntar por quê. A pessoa pode desabar no choro. Quem é perdido – ou está perdido – tem sentimentos dolorosos e confusos.
Se essa descrição parece familiar demais, não se envergonhe: o mundo está cheio de gente como você, ainda que passem o dia fingindo que sabem para onde vão. Eu, por exemplo, me sinto perdido várias vezes por semana, e tudo indica que sou uma pessoa normal. Estar perdido ou sentir-se perdido parece ser parte da condição humana. Ninguém escapa.
Isso não quer dizer que seja gostoso. Todos se lembram da sensação infantil de soltar-se da mão da mãe na multidão. É horrível. Estar perdido na vida adulta pode reviver a mesma aflição. A gente olha em volta e não sabe para onde prosseguir. Não sabe nem para onde quer ir. Não há ninguém capaz de nos acolher e orientar. A confusão é assustadora e pode durar um tempo enorme. Ao contrário das crianças, os adultos não choram pedindo ajuda. E, mesmo quando o fazem, outros adultos não vêm correndo para abraçar e socorrer. Sentir-se sozinho parece ser parte inseparável da sensação de estar perdido.
Ainda bem que não é o fim do mundo. Embora o mundo adore os práticos e trate melhor quem avança em linha reta, a falta de rumo pode ser apaixonante. Seres humanos perdidos costumam ser transparentes e sinceros, além de surpreendentes. A fragilidade da sua condição lhes confere uma espécie de humanidade explícita, que pode ser muito sedutora. Se a pessoa não tem um plano detalhado para a própria vida, está aberta a grandes e pequenas aventuras. Pode viajar, pode se apaixonar, pode mudar de ideia radicalmente. Pode jogar tudo para o ar e começar do zero – em outro país, em outra companhia, em outra profissão, em outro plano.
Mesmo os moderadamente perdidos costumam ser mais interessantes do que os que andam pela vida com GPS ligado. Esses, francamente, costumam ser chatos, enquanto as pessoas que sofrem, hesitam e se confundem são capazes de despertar compaixão e empatia. É mais fácil amá-las – eu acho – porque a gente se percebe nelas. Elas verbalizam os medos que os outros escondem e fazem perguntas a si mesmas que os demais têm vergonha de fazer. Eu sou feliz? Eu tenha certeza? É realmente isso que eu desejo?
Quando a gente se envolve com gente assim, é convidado a entrar num mundo que sacode e suspira, e que, frequentemente, tem os olhos cheios de lágrimas. Nele há longas conversas noturnas, sexo apaixonado e necessidade de abraçar e cuidar. Existe também o risco de que amanhã cedo sua pessoa perdida se levante e anuncie a partida, movida por uma inquietação aguda e inefável que exige apenas uma coisa: mudança. O que fazer?
Tudo isso parece levemente insano, mas, num mundo estropiado como é o nosso, os perdidos podem estar certos. Como é possível ter clareza e direção em meio ao caos que nos circunda, lendo as coisas assustadoras que lemos nos jornais? Talvez haja algo de errado com quem não sente estar perdido e simplesmente avança, como se o mundo não estivesse chacoalhando ao redor. Os que têm certeza talvez sejam esquisitos.
Isso nos traz naturalmente de volta aos buscadores. Num mundo de mentiras e autoengano, eles são de alguma forma especiais, porque admitem estar sem rumo e desorientados. Fazem disso a sua plataforma de largada. É provável que, assim como o resto de nós, eles não cheguem a lugar nenhum – mas ao menos terão tentado. Não é certo que a vida faça sentido e que haja nela algum propósito. Mas tampouco é certo que sejao contrário. Talvez a vida seja aquilo que a gente escolhe fazer dela: um bolinho de arroz, um filho de cabelos crespos, um beijo no escuro da barricada.
Fonte indicada: Época