Ahh… eu tenho tanta inveja de quem se envaidece de não ter o que esconder. Gente que bate no peito e declara: “minha vida é um livro aberto”, como um salvo conduto para alardear o que faz de certo e o que não faz de errado. Eu tenho muita inveja dessa gente impecável.
Quem dera minha vida fosse um conjunto de fatos louváveis, perfeitos, exemplares. Gestos lapidares comentados com admiração em todo canto. Mas não é, não. Eu tenho muito o que não mostrar. Meus preconceitos e intransigências, minhas ranhetices e mediocridades. Minhas pequenezas inevitáveis, minhas vergonhas e meus pecados.Tem coisa que só interessa a mim. No máximo, a uma ou outra alma disposta a folhear minhas páginas e depois fechar o livro de novo, com fastio ou com repulsa.
Ainda que a perfeição me fosse franca, Deus me livre de exibi-la por aí como quem busca um prêmio. Contar pra quê? Guardo comigo. Bem diziam a minha avó e a sua: em boca fechada não entra mosca. E de lá também não sai o que não tem de sair.
O universo que me perdoe, mas gente autorreferente e cabotina, sempre afeita a repetir elogios a si mesma, me dá náusea. Vão me desculpar os falastrões, mas quem divulga de graça o que faz de bom, quem se orgulha de uma canalhice e quem começa uma frase dizendo “eu costumo dizer que…” não merecem um pingo de confiança. Dão em mim uma vontade imensa de sair correndo até bem longe, para fora do alcance de quem se acredita tão importante a ponto de citar a si mesmo e a relevância do que “costuma dizer” por aí.
Nossa vida não é um livro aberto, não. Tem coisa que ninguém precisa saber. Contar em todo canto o que ninguém perguntou, para agradar ou atacar, é nada senão uma medonha chatice. Diferente do que pensa sobre si mesmo, um linguarudo não é alguém interessante e admirável. É uma criatura antipática e enfadonha. Um livro que, embora escancarado, ninguém quer saber de ler.
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