Imagem de capa: frankie’s/shutterstock
Um dos aspectos fundamentais no homem, diferenciando-o, inclusive do resto da natureza, é a linguagem. Evidentemente, a natureza encontra modos de se comunicar, entretanto, é na espécie humana que a linguagem se fez como instrumento de comunicação e ao mesmo tempo fim do próprio homem.
O que somos nós sem a linguagem? Qual o significado do mundo que nos cerca sem as palavras? E por que há em nós uma necessidade tão grande de falar ou escrever, de dizer ao mundo o que sentimos? Não por outro motivo que não seja para juntar os nossos pedacinhos, como fala Galeano. Porque nascemos separados e buscamos durante a vida aprender a difícil arte de encontrar.
Embora tenhamos à nossa disposição as palavras, capazes de criar alegoricamente coisas profundas e abstratas, como os nossos sentimentos, há na vida tanto silêncio, que chega a parecer que, em verdade, ainda não aprendemos a nos comunicar.
Entretanto, se “Somos diálogos”, como disse o poeta Holderlin, então, a nossa existência enquanto indivíduos depende da forma como conseguimos estabelecer com o outro um elo comunicativo, em que ao mesmo tempo em que consigo transmitir o que sinto e penso, também consigo compreender o que perfaz a cabeça e a alma do outro.
No entanto, não é tão fácil juntar os nossos pedacinhos, pois mais do que falar, é necessário saber interpretar e isso implica entender o que compreende o outro. Ou seja, tendo dentro de cada sujeito um mundo que o habita, é preciso que aprendamos a falar a língua desse mundo, já que do contrário mesmo que usemos as palavras, elas serão apenas um amontoado de coisas que nada significam.
Sendo assim, para que a linguagem seja verdadeiramente um meio de comunicação, há a necessidade de aprender a língua do mundo do outro, de entrar nesse mundo, de viver esse mundo, de sê-lo por alguns momentos. É necessário ser o outro, ter empatia, pois apenas desse modo a linguagem passa a ser ponte que une dois universos diferentes, únicos, mas complementares na sua singular estranheza.
Estamos nos desacostumando tanto a falar, que a nossa alma tem se acostumado a emudecer, os nossos sentimentos a se sufocarem e os nossos pensamentos a desaprender. Assim, ficamos como que presos ao redor de conchas, como se a nossa pele estivesse incrustada por uma dureza de tamanha ordem que até os sons deixam de passar. E os sons não passam, a música para de tocar, mas o relógio dispara que não dá para parar de correr entre estranhos que não querem acordar, porque o silêncio é tão grande que a trêmula boca deixa de saber falar.
Mas se não tem fala, não há poesia. Sem poesia, não há sonhos. Sem sonhos, não há corpos. Sem corpos, não há gente. Sem gente, sem gentes, sem nós, a corda cede e a gente cai em um terreno inóspito de monólogos silenciosos de almas perdidas que não sabem ou nunca quiseram aprender a língua do outro e, portanto, estão condenadas a perambular sozinhas.
Todavia, se somos diálogos, precisamos, então, aprender a escutar, pois é na escuta que aprendemos a falar as línguas estranhas que precisamos compartilhar. Sendo assim, é somente quando aprendemos que neste mundo habitam outros mundos, que nos tornamos capazes de abrir espaço para que as palavras se cruzem, os corpos se encostem e os sonhos floresçam, porque os “Nossos corpos são sonhos encarnados” a procura de moradas tranquilas em que possam descansar.
A frase que dá título ao texto pertence a Rubem Alves.
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