Drummond dizia que “amor é o que se aprende no limite, depois de se arquivar toda a ciência, herdada, ouvida; amor começa tarde”. Penso que confundimos a vontade de desvendar o outro, a sede insaciável da presença e a admiração, com o amor. O amor, mesmo, é o que começa tarde.
O amor começa não na magia embriagante que é, munidos de uma curiosidade que reduz o mundo ao outro, tocar uma vida pela primeira vez; mas no encantamento que resiste – e aumenta – quando a convivência já houver recheado nossa memória com registros de todas as variações minúsculas de gestos e sorrisos que dela provêm; quando as marcas de loucura já tiverem sido captadas e tomadas como poesia e o sofrimento alheio escorrido de nossos olhos.
O amor começa não nos diálogos agradáveis e engraçados, não no bem estar e admiração mútuas que as palavras trocadas são capazes de fornecer: isso é o que nos convida a abrir a porta e ir deixando alguém entrar. O amor começa tarde. Começa quando nem todos os momentos compartilhados requerem palavras que externem aquilo que se sente, simplesmente por estarmos tão conectados a alguém a ponto de olhar nos olhos e apenas com uma troca de sorrisos carregar a tranquilidade que o nosso coração sente ao confirmar que o do outro está sentindo o mesmo, de que ele está ali, compartilhando daquele momento com a mesma intensidade e o enxergando através das mesmas lentes: aquelas moldadas pelos arquivos diários e silenciosos do amor.
O amor começa não só na euforia das noites de sexta-feira, mas nos tédios compartilhados de domingo; não só na sinfonia do encontro de timbres, mas no descobrimento da paz que mora dentro dos silêncios cotidianos. O amor começa depois. Depois que aquela vida que nos tira o ar tantas vezes, for também a mesma que, simplesmente por existir e respirar, nos dá coragem e vontade de continuar fazendo o mesmo.
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