Não é de se admirar que a gente esteja sempre às voltas com relacionamentos amorosos que vivem naufragando em mares de expectativas surreais.
Todos esses naufrágios acabam acontecendo porque a gente teima em vestir terno e gravata em encontros que ficariam muito mais confortáveis e interessantes trajando bermudas e um descolado All Star.
Há amores e amores. E a única coincidência entre eles é só a grafia mesmo. O ponto de tensão se forma quando a gente força a barra para fazer o que era para ser puro tesão virar romance de filme francês. Nem sempre procede, não é mesmo!?
Esse arrepio fácil na nuca faz parte de todo o processo de encantamento que cerca essas coisas maravilhosas que são as paixonites e atrações instantâneas.
Relacionamentos tipo pipoca de cinema ou macarrão instantâneo têm lá seus encantos, mas podem ser chamados de muitos adjetivos bacanas, só não lhes serve essa designação substantiva que se chama “amor”.
O amor é complexo e depende, entre outras coisas, de disposição afetiva para construir uma relação aos poucos, a cada encontro e a cada desencontro também.
Amor é aquela mistura genial de chocolate com pimenta, é café passado na hora, é brigadeiro de panela, é pão feito em casa – de preferência a quatro mãos.
Amar é entender até os silêncios e respeitar, inclusive, os ruídos. Quando o amor pega a gente de jeito mesmo, o tesão é um ingrediente gourmet, não é o sal.
O sal do amor é a alegria pelo sucesso do outro que deixa a gente de pernas bambas e coração aquecido. É querer prolongar o tempo junto, mas também compreender que momentos a sós são a base de uma relação de confiança e respeito.
O sal do amor é essa vontade de querer dividir, multiplicar e somar a vida, tudo com a mesma pessoa. E, a cada dia, descobrir nas bonitezas e dificuldades do convívio, mais razões para ficar e nenhuma vontade de partir.
É preciso ter muita coragem para acolher no peito um amor de verdade. Porque o outro vai errar, vai se transformar e vai nos desafiar. Porque não é fácil acomodar dois mundos num casal.
Não é nada fácil compreender que às vezes a doçura azeda, e que é justamente nessa hora que a gente tem a chance de amadurecer e ver no desafio do convívio uma oportunidade única de dar um passo além.
Pode ser mesmo, de verdade, que esse fogo no corpo acabe se transmutando num calor benigno que é capaz de acomodar, entre braços e pernas, algo além de um encontro de desejos. E isso é nada menos que absolutamente maravilhoso!
E pode ser ainda melhor! Quem sabe o calor benigno, o fogo que arrebata, o sabor agridoce dos dias, as calmarias e tormentas não acabem fazendo surgir uma história que vale inúmeros começos, e meios, e fins, e outros tantos recomeços.
Quem sabe a gente já não esteja pronto para desapegar de tantos modelos de propaganda amorosa que tão facilmente compramos. Quem sabe já não seja tempo de parar de jogar na conta do outro o custo da nossa felicidade.
E que venha o amor, sem rótulos, sem pesos, sem joguinhos e estratégias de poder. E que seja complicado, posto que a simplicidade é mesmo coisa muito cheia de detalhes. E que nos faça olhar para dentro com a indiscutível certeza de que viver sem amar é quase a mesma coisa que não viver… ou ainda, algo menos que isso.
Imagem meramente ilustrativa: cena do filme “Amor e outras drogas”.
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