Diz que este ano vai fazer frio. Todo ano faz. Mas parece que este ano vai ser mais. Frio daqueles, sabe? Aqueles de ventos congelantes e horas gélidas. Frio em que os dias são mais curtos mas as tardes são eternas. As noites são mais longas mas o sono é breve. Frio de ruas úmidas e céu cor de gelo. Vai fazer frio de dar inveja nos pinguins, ursos polares, esquimós, alpinistas e outros bichos afeitos às baixas temperaturas. Este ano vai fazer frio.
Vira e mexe uma fantasia me assalta. Quando eu tenho por qualquer pessoa um sentimento de apreço, admiração, carinho e essas coisas, acende em mim lá no fundo um desejo vago e simples como a chama de uma vela: eu tenho vontade de sentir frio ao lado dela.
Sou uma criatura do calor, nasci numa cidade quente, gosto da praia e de gente nua. Mas o frio me encanta e emociona. Porque provoca em mim uma lógica impetuosa em relação às pessoas: quanto mais frio, mais perto.
Enquanto no verão tiramos as roupas, no frio nos despimos de velhos orgulhos bobos. Chega pra cá e me dá um abraço! Mas aperta que hoje tá geando lá fora.
O frio é a estação de resfriados e ternuras. Hora de se achegar, encontrar um canto quente e fazer calor. Está aberta a temporada dos abraços. Longos e apertados encontros de braços e peitos e rostos. Tempo de ouvir a respiração do outro e sentir seu coração batendo caloroso até derreter o gelo de tanta distância e tanta dor.
E ainda que estejamos sós, o frio há de nos abraçar, escancarar pesadas portas internas e nos permitir longas caminhadas dentro de nós mesmos. Assim, pisando folhas secas em nossas ruinhas desertas, varridas de vento gelado, chegaremos mais perto de compreender e aceitar quem somos para então compreender e aceitar o outro.
Quando o frio apertar, que você e eu encontremos novas chances de fazer bondade para os outros e a nós mesmos, como quem acha dinheiro amassado no bolso da calça que não usava havia tempo.
Que em todo lugar estourem campanhas do agasalho e as caixas de arrecadação transbordem roupas quentes, distribuídas com franqueza a quem precisar possa. E que nenhum ser vivo, seja gente, bicho ou planta, passe um frio maior que o necessário para incentivá-lo a se aproximar de quem estiver a seu lado. Não por desespero, mas por puro gosto.
Preparem-se, senhores casacos! Aprontem-se, senhoritas meias! A postos, amigas calças, blusas, mantas, luvas, gorros, polainas, cachecóis e toda gente que dormia nos armários. É tempo de ficarmos mais perto uns dos outros. Diz que este ano vai fazer muito frio.
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