Por Nara Rúbia Ribeiro
Era uma tarde escura e preocupante. Nuvens carregadas transtornavam o céu e a tempestade se fazia prenunciar. Sentada junto a mim, minha filha, então com seis anos de idade, observava serenamente o horizonte. Foi quando a questionei: – Meu anjo, o que você está vendo no céu? E ela prontamente respondeu: – Mãe, tem uma nuvenzinha grande, não dá pra ver o céu.
Mariana e seus achados. Ela estava com a razão. O meu céu fora estreitado pela “nuvenzinha”. A nuvem era o “meu” céu naquele instante. Mas o céu da Mariana era outro, infinitamente mais profundo, por trás da nuvem, acima da nuvem, mais elevado e denso, com sua imponência azul.
Há muito se apregoa que se você crê que pode algo ou se crê que não o pode, de qualquer modo você tem razão. Adapto esse pensamento à capacidade sentimental humana e afirmo que se você acredita poder viver o amor em sua mais pura essência ou se não acredita poder vivenciá-lo, também de qualquer forma você está correto. Cada qual observa o seu céu interior com a capacidade dos seus próprios olhos. Alguns enxergam a nuvem, outros, embora saibam que o céu esteja encoberto, conseguem vislumbrar outras galáxias.
Tenho alma de poeta. Já tentei racionalizar, descrer, argumentar comigo mesma acerca da utilidade do pragmatismo dos relacionamentos. Já sofri vezes tantas e outras tantas me fiz afastar de potenciais amores. Mas a alma de poeta tem vetor para sentimentos de desmedidas dosagens.
E é assim que o amor, para mim, não é um mito, pois eu o vivo. Sinto. Não saberia explica-lo, mas me arrisco a asseverar que ele seja infinito, tenha cheiro de relva orvalhada, gosto de iogurte de morango e tenha a densidade inversamente proporcional ao desejo egoístico de “aprisionar” e “possuir” o ser amado.
Não critico, contudo, aquele que se detenha às nuvens tempestuosas. Chuvas e trovoadas podem inspirar paixões ardentes, beijos cálidos e intenções inconfessáveis. E a paixão é um rascunho inacabado, um projeto falho, factível e inconsequente do amor.
A paixão é um amor estreitado. Mas quando se trata de amor, seja ele pleno ou centelha ínfima, ele pode ensinar-nos a ser maiores que nós mesmos.
Escritora, advogada e professora universitária.
Administradora da página oficial do escritor moçambicano Mia Couto.
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