O ano é 2020 e há zumbis para todo lado

Você já cruzou com um zumbi na rua, no mercado, na farmácia, na padaria? Menciono apenas estes três estabelecimentos porque, por ora, é só aí que temos permissão para ir, não é mesmo? Sim, ainda estamos isolados em casa – AQUELES QUE PODEM! – porque estamos no meio de uma pandemia e a curva de contaminação e vidas ceifadas só faz aumentar.

Tem boa notícia também: dos 102568 casos confirmados no nosso país, 20358 estão curados; no Japão, animais selvagens voltaram a ser identificados nos arredores de Fukushima – área que foi devastada por um acidente nuclear em 2011; um respirador que custa 37 vezes menos que os comercializados atualmente, foi criado na UFPB (Universidade Federal da Paraíba), e já está liberado para ser produzido em larga escala; professores da USP (Universidade de São Paulo), organizaram dois Guias de Boas Práticas para quem precisa trabalhar e estudar em casa.

Além disso, o mundo segue girando; ao que parece, menos poluído sem a nossa maciça presença; o sol tem dado espetáculos de cores no céu outonal; a gente tem tido a oportunidade de rever muitos conceitos, posicionamentos e hábitos automáticos e, assim como tudo na vida, essa situação não vai durar para sempre, e nós podemos bem fazer a nossa parte para contribuir para o achatamento da curva, dar uma mãozinha aos mais necessitados e arranjar jeitos de estar presente, ainda que distantes.

Entretanto, contudo, todavia, algo tem me chamado a atenção no comportamento das pessoas nas redes sociais – e isso vem desde muito antes da pandemia do Coronavírus. Percebo que textos, posts, notícias, ou qualquer outra forma de comunicação que envolva TRAGÉDIAS, ASSUNTOS POLÊMICOS, FOFOCAS, MICOS ALEATÓRIOS, CELEBRIDADES INSTANTÂNEAS E DISCURSOS DE “VOCÊ É ÓTIMO, OS OUTROS É QUE NÃO PRESTAM”, têm muito mais chance de “viralizar” (pode parecer estranho, mas nos canais da web, “viralizar” é uma coisa boa… quase sempre, porque tem muita porcaria que “viraliza”.

Outra coisa que observo, com muita frequência, é que há um número considerável de internautas que leem apenas o título de alguns artigos e saem fazendo comentários aleatórios; muitas vezes, até agressivos. Mas, não leram o texto! Como podem sentir-se autorizados a tecer opiniões e críticas sobre algo que ignoram? Isso me leva ao próximo degrau que, depois de abordado, nos levará à questão dos zumbis: se você chegou até aqui na leitura deste texto, você é uma exceção! Meus Parabéns! Força guerreira, ou guerreiro… a depender do caso! A grande maioria não passa do segundo parágrafo, o resto… ou tenta adivinhar, ou considera irrelevante. Textos que convidam o leitor a algum tipo de reflexão não costumam fazer sucesso.

Agora sim! Estamos aqui, juntos, eu aqui deste lado da tela, você do outro. Muito prazer, meu nome é Ana! E o seu? Estabelecida nossa conexão virtual, posso dividir com você uma descoberta: ESTAMOS CERCADOS DE ZUMBIS POR TODOS OS LADOS!

Eles, os zumbis, são apegadíssimos àquele orifício que temos todos na barriga, e que, na vida intrauterina serviu para nos manter vivos, mas agora não serve para nada, só para acumular sujeira. Zumbis gostam de usar roupas bacanas, que sejam reconhecidas pela marca, de preferência. Zumbis acreditam que de nada adianta viajar, dar uma festa, comer um prato de valor exorbitante ou malhar os glúteos, se nada disso puder ser compartilhado com seus seguidores nas redes sociais. Zumbis podem publicar fotos e posar como “eternos namorados”, tendo como parceiro de foto uma pessoa que já nem sabe quem é direito, ou ainda nem sabe quem é direito… tanto faz! Basta ser apresentável para a foto!

Zumbis acreditam, de verdade, que ninguém percebe que a foto do Instagram é recoberta por infinitas camadas de filtro. Zumbis contratam empresas de eventos para decorar quartos de maternidade. Zumbis postam mensagens de “FIQUE EM CASA”, mas dão um jeito de serem atendidos pelas manicures, cabeleireiros e esteticistas. Zumbis são as manicures, cabeleireiros e esteticistas que atendem a pessoa que diz que “FICA EM CASA”, mas fecham os olhos para a falta de coerência porque os boletos não param de chegar – esses são uma categoria de zumbis honestos com seus próprios perrengues (sim, isso também existe).

E, o mais importante, relevante e assustador de tudo: você pode se transformar num zumbi! Por que é contagioso? Depende. O “zumbivÍrus” precisa da autorização do cidadão para se instalar. Isso mesmo! Você tem total controle da situação! Não é maravilhoso isso?
Acontece que, para não ser contaminado, ou seja, não dar permissão para a entrada do “zumbivírus” em sua vida, você precisa pensar, ser coerente com o que diz, refletir sobre seu papel no mundo e nunca ser uma fraude. É! Eu sei que é difícil! A gente vive mesmo sendo assediado por ofertas tentadoras de uma vida mais fácil, menos pesada, mais descomprometida e VAZIA! VAZIA! VAZIA! Completamente VAZIA!

Porém… caso você caia na tentação de se transformar num zumbi, esse ser que parece estar vivo, porque em geral tem uma ótima aparência, mas está em franca decomposição moral, saiba que há como reverter essa escolha. Viva!!! Que maravilha!!! Vai dar um pouquinho de trabalho, mas tem jeito: você vai ter de rever suas escolhas acerca das pessoas com quem resolveu partilhar seu tempo de vida. Sabe por quê? Zumbis não andam nunca sozinhos, vivem em bando, porque a plateia para eles é muito mais importante do que viver de fato. Então, pode ser que você precise se dispor a um certo isolamento emocional para se curar. Mas uma coisa eu posso te garantir: VAI VALER A PENA! PORQUE ESTAR VIVO É MUUUUUUUUUITO MELHOR DO QUE PARECER ESTAR VIVO!

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Fotografia de capa meramente ilustrativa: Nela, imagem captada da performance Bem vindo ao inferno do coletivo 1000 Gestalten (que significa ‘mil figuras’), formado por ativistas e atores.







"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"