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O assovio na rua tem relação com a violência sexual, sim senhor!

Você acorda numa manhã qualquer com uma deliciosa disposição na alma. Quer sair por aí, ver gente, ouvir música, comer ou beber alguma coisa diferente, dançar, celebrar a vida. Toma um banho gostoso, passa aquele perfume que ama, escolhe uma roupa que a faça sentir-se bonita, passa um batom, ilumina os olhos, olha no espelho e gosta do que vê. Isso tudo quer dizer que você está a fim de conquistar alguém? Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser que talvez. E isso, minha querida é você quem escolhe!

Grande parte da sociedade, infelizmente, ainda pensa que se a mulher escolheu usar uma roupa que revele seus atributos físicos, ou alguma parte menos evidente do seu corpo, é porque essa mulher está a fim de “pegar” alguém. Essa mesma ignorante parcela da sociedade acredita que se a mulher sentar sozinha em um bar para tomar um drink ou uma prosaica cerveja, é porque está a fim de que alguém a “pegue”. Se a mulher for ousada o suficiente para entrar sozinha numa balada e dançar à vontade com seu próprio corpo na pista de dança… Ahhhhhh… essa só pode estar a fim de “dar” mesmo!

O pior de tudo, nem é que ainda existam pessoas que pensem assim. O pior de tudo é que nem todo mundo que pensa assim, admite que pensa assim. A hipocrisia é um veneno viscoso e invisível. Vai penetrando e invadindo as pessoas, inundando-as de ideias pré-concebidas e aparentemente inocentes, que rotulam, marginalizam e nos colocam (as mulheres) em risco, sério risco.

Quando um cara assovia pra gente na rua, é porque acha e sente que tem direito a isso. Esses babacas que nos chamam de “gostosa”, de “ai que delícia” ou de qualquer outra dessas ridículas expressões de mau gosto e falta de criatividade, têm em seu íntimo a certeza de que toda mulher gosta ou precisa desse tipo de elogio. Elogio? Não, meus queridos, isso não é elogio! De jeito nenhum! Isso não passa de uma invasão de espaço, falta de respeito e, pior, de uma crença antiga e enraizada de que as mulheres são como pedaços de carne expostos numa vitrine de açougue, disponíveis.

Uma pesquisa feita pelo IPEA em 2014, com pessoas entre 16 e 40 anos (veja, é uma boa margem), informa que 78% considera que mulheres usando saia curta, roupa justa, decotes reveladores ou que façam uso de bebidas alcoólicas em bares, festas ou baladas, estão agindo de forma incorreta; e estão, com certeza, provocando algum tipo de assédio. Dentre os homens pesquisados, 30% acredita que não é violência sexual, abusar de uma mulher que tenha bebido além da conta; afinal, foi ela que escolheu colocar-se em tal situação. Sim, é assustador! E se você não acha que é, é melhor procurar algum tipo de ajuda psicológica, ou tentar evoluir um pouquinho por conta própria mesmo.

A mesma pesquisa revela que 85% das mulheres entrevistadas já teve o seu corpo tocado, sem permissão. A verdade é que a diferença entre um assovio na rua, uma cantada barata, uma passada de mão, um beijo dado a força ou uma relação sexual sem consentimento, reside apenas no grau de gravidade. Qualquer tipo de invasão ao nosso espaço, de assédio ao nosso corpo e à nossa dignidade ou qulquer tipo de desconsideração à nossa vontade ou permissão é crime. E como tal deve ser denunciado, punido e coibido com muita severidade. Isso não pode continuar, de jeito nenhum!

Todos os dias há mulheres que são molestadas em transportes públicos, assediadas enquanto caminham pela rua, atacadas nas mais diversas situações, inclusive no ambiente de trabalho e dentro de suas próprias casas. O comportamento de violência sexual contra a mulher culmina na admissão de dados alarmantes: num intervalo de três anos mais de 17 mil mulheres foram assasinadas; a cada uma hora e meia, morre uma mulher vítima de violência no Brasil. Existe uma nociva tolerância social em relalção à violência contra a mulher. E o mais assustador é que há homens e também mulheres que acreditam que “em alguns casos a vítima de estupro teve culpa”.

Infelizmente, existe em nossa cultura uma crença ridícula, porém bastante comum, de que toda mulher gosta de ser assediada, de que toda mulher sente-se envaidecida por provocar desejos sexuais nos homens. Isso não só é uma mentira, como é uma mentira perigosa, uma vez que configura uma espécie de aval para que os idiotas de plantão sintam-se imensamente à vontade e confortáveis para nos assediar.

A sociedade alimenta uma espécie de desejo sem controle pelo corpo da mulher. Basta assistir algumas propagandas de cerveja para se dar conta do tipo de apelo que se expõe nas mídias de forma tão banalizada. A mulher é retratada como um ser consumível, frágil, descartável. As relações afetivas, retratadas na maioria das novelas televisivas, são baseadas num modelo “romântico” segundo o qual, a mulher (delicada e indefesa), precisa ser possuída para sentir-se importante, amada e protegida.

É preciso refutar todo argumento que venha a justificar qualquer tipo de agressão contra nós, seja ela física ou psicológica. Esses comportamentos machistas e abusivos são, todos eles, componentes que alimentam o desprezo por nossos direitos a determinar quem pode e quem não pode interagir conosco, seja por meio de um ridículo assovio na rua ou por meio de contatos físicos não consensuais.

É necessário que sejamos implacáveis em relação a qualquer tipo de violência contra a nossa liberdade de existir, sentir e nos relacionarmos com quem quer que seja, desde o estranho na rua, até o parceiro com quem dividimos a mesma cama. Temos o absoluto direito de não estarmos a fim de sexo; e não é porque estamos com dor de cabeça ou porque estamos “naqueles dias”; simplesmente não estamos a fim. Sendo assim, em caso de violência, devemos procurar a polícia, denunciar e fazer valer os nossos direitos. A denúncia pode ser feita por meio de uma simples ligação telefônica para o número 180 (Central de Atendimento à Mulher, do Governo Federal). Aqueles que nos molestam são criminosos e, como tal devem ser tratados.

E, mais do que tudo, é preciso que nos posicionemos de forma intolerante contra qualquer tipo de desrespeito. O nosso corpo é nossa propriedade. A roupa que escolhemos usar, a cor do batom que passamos nos lábios, nosso jeito de falar, como nos comportamos, sorrimos ou dançamos… Nenhuma de nossas escolhas inferioriza esse direito soberano. E os homens que ainda se comportam como se fossem donos de nós, como se fossem bestas descontroladas que não mandam em seus desejos, que fiquem espertos. Para nós, esses babacas não passam de meninos mimados que gostam de quebrar seus brinquedos. Não somos brinquedos e não estamos para brincadeira!

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

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