Por Octavio Caruso
Esse é, sem dúvida, um dos filmes mais interessantes da década de noventa. Uma verdadeira aula de direção do iraniano Jafar Panahi, que consegue nos manter completamente tensos ao contar uma história incrivelmente simples. Tudo começa quando a pequena Razieh, vivida pela adorável Aida Mohammadkhani, se interessa em comprar um peixinho colorido gordo e bonito que viu em uma loja, pois já estava cansada dos peixes magros que tinha aos montes em um pequeno lago em sua casa. Sua mãe inicialmente se recusa a fornecer o dinheiro para satisfazer seu desejo, porém, após muitas lamúrias e a promessa de dar um balão branco a seu irmão, a menina consegue a tão desejada cédula. Só que o caminho até a loja se provará uma intensa aventura.
A decisão de situar a trama em tempo real, durante os oitenta minutos restantes para o ano novo, acrescenta um nível de tensão crescente. Em pouco tempo, nós realmente nos envolvemos com as agruras da menina e nos angustiamos a cada novo obstáculo que se apresenta. O diretor demonstra um incrível senso de ritmo, inserindo com inteligência cenas de sutil humor, como uma, logo no início, onde vemos a mãe andando por uma conturbada rua e pedindo a um vendedor de balões que a informe sobre algo, no que o mesmo lhe sinaliza duas direções diferentes, ou quando um jovem soldado tenta fazer amizade com a menina, que de início se amedronta. Nesses pequenos momentos, Panahi nos apresenta o cenário e seus componentes, que, de início, passam como meros figurantes, porém, cada qual em sua própria e fascinante aventura. Ao longo do caminho, todos se mostram extremamente funcionais na narrativa. A câmera inicialmente foca Razieh e seu irmão, porém, ao final acabará se atendo ao jovem vendedor de balões afegão, que, assim como todos no filme, possui enorme importância. A câmera poderia se desviar dos protagonistas e seguir qualquer personagem, todos garantiriam ótimas histórias.
Nas mãos de qualquer diretor menos competente, poderia ter se tornado uma obra redundante, um insuportável tédio, porém “O Balão Branco” nos entretém e nos remete à nossa própria infância. Uma cena em particular sempre me comove, quando a menina reclama com o vendedor do peixe, dizendo que ele não é robusto como o que ela havia visto na primeira vez, no que o vendedor pede que ela o olhe de outro ângulo para vê-lo maior. Ela deixa de olhar por cima do vaso e, com um cativante sorriso no rosto, passa a admirar o belo e robusto peixe que agora nadava à sua frente, aumentado pela ilusão do vidro. Simples e tocante cena que evoca a pura ingenuidade da criança, em um mundo dominado pela indiferença dos adultos. Um ser disposto a encarar a vida pela ótica da fantasia, superando os obstáculos de uma fase tida, erroneamente, por muitos, como puramente divertida.
Algumas opções do diretor são tão sutis que demonstram o zelo de um verdadeiro cineasta autoral. Como quando o pai da menina se irrita com o seu pequeno irmão, por ter lhe trazido sabão em vez de shampoo, enquanto tomava banho. Mais tarde, o jovem aparece com uma marca de agressão no rosto, porém, o roteiro de Abbas Kiarostami não explicita em nenhum momento a causa. Ao não subestimar a inteligência do público, o diretor mostra, na prática e sem nenhuma pretensão, o que muitos cineastas pretensiosos apenas teorizam.
Se você não assistiu essa pequena obra-prima iraniana, não perca tempo e se encante com a beleza pura, simples e tocante que se encerra nos expressivos olhos da pequena Razieh.
Carioca, apaixonado pela Sétima Arte. Ator, autor do livro “Devo Tudo ao Cinema”, roteirista, já dirigiu uma peça, curtas e está na pré-produção de seu primeiro longa. Crítico de cinema, tendo escrito para alguns veículos, como o extinto “cinema.com”, “Omelete” e, atualmente, “criticos.com.br” e no portal do jornalista Sidney Rezende. Membro da Associação de Críticos de Cinema do Rio de Janeiro, sendo, consequentemente, parte da Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica.
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