por Fernanda Pompeu
No belo poema Mar Português, Fernando Pessoa acerta na mosca com os versos: Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor. Que empreitada, meu xará, ultrapassar a dor! Pra quem matou a aula: localizado na costa do Saara Ocidental, hoje sob olho gordo do Marrocos, o Bojador funcionou como dramático obstáculo para os navegadores portugueses avançarem rumo às delícias açucaradas e douradas do Oriente.
O imaginário coletivo da época enxergava no atual Atlântico o Mar Tenebroso, onde para além do Cabo do Bojador viveriam criaturas fantásticas e assassinas, ondas tão altas que encostavam no céu, buracos dentro do mar que sugavam non-stop para o inferno.
Daí o Bojador também ser conhecido como o Cabo do Medo. Lendas, temores, fantasias só se desfizeram em 1434, quando o navegador português Gil Eanes e tripulação dobraram a paúra, o imponderável, o obstáculo. Veio o espanto: o que havia além do Bojador eram águas razoavelmente tranquilas e navegáveis.
A partir do feito de Eanes, Portugal disparou na corrida pelos mares. Desenvolveu incríveis tecnologias de navegação que engordaram sua ganância imperialista. Os marujos entenderam que os monstros não moravam no oceano, se hospedavam na imaginação. Graças à desmistificação dos monstros do Bojador, 66 anos depois, para azar dos nativos e sorte dos europeus, Pedro Álvares Cabral e tripulação avistariam o Monte Pascoal, no sul da Bahia.
Admiro essa história pelo o que ela tem de replicável. Afinal todos temos nosso Bojador. O entrave real ou imaginário que nos impede de avançar. O cabo que nos dá rasteira. Situação em que a gente diz Cheguei até aqui, mas não vou em frente. No meu caso, o Cabo do Bojador é a comercialização dos meus escritos. Produzo bastante, me exponho o suficiente nos blogs e redes sociais, mas não consigo fechar bons negócios. A grana que ganho é anoréxica.
É certo que nem sempre o Cabo do Bojador se refere a estorvos materiais. Muitas vezes ele está em área mais subjetiva das nossas dificuldades. Pode ser timidez que corta oportunidades, ego inflado que cega para realidades, poço de preconceitos que paralisa os passos, autocensura anestesiante. Ou quem sabe as incapacitantes modéstia e vaidade.
Mas, como na história de 1434, talvez o obstáculo que nos atrasa esteja superdimensionado pelo medo. Ou pela dor a que se refere Fernando Pessoa. Pode ser que águas calmas e bons negócios nos aguardem bem ali dobrando a esquina. Se uma hora eu ultrapassar meu Bojador, escreverei para vocês.
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