Um povo na cidade de Belém do Pará, antes de Belém ou o Brasil existirem, vivia da pesca, da música e do Açaí. As canções eram entoadas sempre antes da chuva da tarde. As crianças escolhiam se seriam músicas alegres ou tristes de acordo com sentimento que despertava a história do Contador.
O Contador era alguém na tribo sabedor das origens das coisas. Era sempre um mistério sua identidade. Usava uma pintura no rosto, folhas cobrindo todas as formas do corpo, apenas seus pés apareciam.
Num fim de tarde, as crianças pediram para o Contador falar como surgiu o Açaí, ele ficou trêmulo. Trêmulo mesmo. Mas por baixo das folhas ninguém percebeu. Respirou e começou a contar:
-Por causa da falta de comida, o Pajé disse “Toda criança que nascer antes da comida voltar, deverá ser sacrificada antes de sofrer a desgraça da fome.” Assim foi, sempre que uma criança nascia era levada ao Pajé e ele a sacrificava. Um dia, uma mulher do nosso povo amou muito alguém e com esse alguém teve uma filha. Essa mulher era Iaçã, filha do Pajé. Quando a criança nasceu, foi levada para o Pajé, seu avô, para ser sacrificada. Chorando e ouvindo Iaçã chorar, o Pajé sacrificou sua neta.
O Contador parou por um tempo e voltar a contar a história com os olhos fechados.
-Iaçã entrou numa tristeza terrível, era só choro, pedia sem parar pra Tupã acabar com a fome e não precisarem mais perder as crianças do seu povo. Adormeceu. Foi acordada por um cântico que parecia triste, mas também parecia alegre. Andou na mata procurando quem estava cantando, era sua filha. Correu, abraçou a menina e dormiu sorrindo. Noutro dia, todos saíram procurando Iaçã pela mata, encontraram apenas seu corpo abraçado numa palmeira com cachos de frutos pretos. Desse fruto extraíram um líquido grosso que salvou todo o povo da fome e fez com que nenhuma outra criança fosse sacrificada. O Pajé chamou o fruto de Açaí que é Iaçã ao contrário.
Quando o Contador terminou a história, as crianças não sabiam se cantavam uma música triste, por causa da morte de Iaçã e sua filha, ou uma alegre pela salvação do povo. Neste dia, decidiram que cada um cantasse seu próprio sentimento e a canção foi uma mistura de sensações, lágrimas e danças.
E o Contador dançou e chorou tanto que as folhas do seu corpo caíram e todos descobriram que ele era o alguém, aquele que amou Iaçã e teve com ela uma filha.
Desde este dia, lembra-se que no açaí está o amor do Contador e Iaçã, amor deles pela filha sacrificada, o amor angustiado do Pajé, o amor que pode surgir por conta do milagre da súplica de uma mãe em luto.
Açaí, para este povo, significa “lembrar que o amor é mais forte quando alimenta muita gente.”
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