O Déficit de Atenção está no comportamento da nossa sociedade e não nas nossas crianças

Por Marcela Picanço

Alguns dados apontam que, nos últimos anos, os casos de Déficit de Atenção triplicaram entre nossas crianças. Eu estou entre uma dessas crianças. Com uns treze anos, comecei a tomar um remédio com tarja preta chamado Ritalina, que, para mim, de fato fazia uma diferença enorme. Quando eu era criança, fui chamada várias vezes de hiperativa, desconcentrada. Meus professores adoravam falar como eu me dispersava rápido. Engraçado, continuo assim, mas hoje tento usar isso ao meu favor. O remédio vai soltando doses ao longo do dia e pode durar até 8 horas. Tomava antes de ir para a escola, para ficar ligada na aula. Nunca fui boa em matemática, física, química, mas me esforçava o bastante pra não ficar de recuperação. Lembro que eu achava que o remédio fazia uma diferença significativa na hora de fazer uma prova. Eu realmente me transformava, durante 8 horas, em uma pessoa mais focada. O déficit de atenção é mais comum do que se imagina.

Assim que entrei na faculdade, resolvi largar o remédio. Fui percebendo, ao longo dos anos, que eu não precisava dele para escrever uma boa redação, ou para ler um livro de que eu gostava, nem para fazer prova de história. Não precisei do remédio para decorar um dos meus primeiros textos de teatro. Eu nem tomava o remédio para ir à aula de teatro e eu era uma pessoa igualmente focada nessas aulas. Foi aí que minha mãe resolveu perguntar à minha médica por que eu ficava concentrada nas coisas que eu gostava de fazer. Ela disse que isso era normal. Nas áreas em que eu tinha mais habilidade, os sintomas não apareciam de modo que me atrapalhassem. Que doença engraçada, né? Mal do século, eu diria. A nossa sociedade está criando doenças para quem estiver fora do padrão de comportamento esperado.

Então, vi que o problema não estava em mim e nem na maioria das crianças que precisa tomar um remédio para entrar num padrão social. O problema está no nosso ensino totalmente precário, que se preocupa mais se o aluno vai passar em medicina do que se ele será um bom cidadão. É claro que, em alguns casos específicos, o uso da Ritalina é de extrema importância e eficácia, mas acredito que, na maioria das vezes, o Déficit de Atenção poderia ser tratado de outras formas. Estudei minha vida toda numa escola diferente, que se importava com a cabeça dos seus alunos e valorizava o que eles tinham de melhor, incentivando a arte, o esporte e a ciência. Lembro que as notas eram divididas em 40% de provas e os outros 60% eram de comportamento. Se você soubesse lidar bem com um grupo, participasse da aula, fosse educado e responsável, já era o suficiente para passar de ano. E ninguém deixava de estudar, afinal, queríamos ter notas boas. Depois, fui para uma escola em que havia tantos alunos, que os professores não conseguiam gravar o nome nem da metade deles. Nunca mais falamos em preconceito ou em direitos humanos. Nunca mais falamos sobre ler livros sem ser por obrigação. Depois, mais tarde, os professores reclamavam que líamos pouco, mas como, se tínhamos tão pouco incentivo? Lembro que, na minha outra escola, ganhei gosto pela leitura quando eu ainda era bem pequena. Devorava livros e mais livros, afinal, a gente tinha uma aula só de leitura.

Mudei-me para essa nova escola porque eu precisava passar no vestibular, mas eu não via sentido nenhum em nada daquilo. Fui me sentindo cada vez mais idiota, porque eu não conseguia ir bem em nenhuma matéria de exatas, mas falaram que, para passar no vestibular, era preciso saber mais exatas do que humanas. Aumentei a dose do remédio Ritalina para poder ficar pelo menos na média. Fico pensando quantas crianças vão ter que se sentir burras e diferentes e tomar um remédio tarja preta para ficar na média na escola, para ficar na média na vida, para ser sempre medíocre, porque a educação não nos dá a oportunidade de sermos brilhantes. No ensino médio, os adolescentes são constantemente comparados, como em uma empresa, para que haja, desde cedo, um espírito de competição. Infelizmente essa competição é completamente injusta, pois as pessoas têm habilidades diferentes. Como já disse Albert Einstein, “todo mundo é um gênio, mas se você julgar um peixe por sua capacidade de subir em árvores, ele passará sua vida inteira acreditando ser estúpido” – e é exatamente isso que nosso ensino faz.

A qualidade de uma escola é medida pelo número de aprovações que seus alunos têm no vestibular e não pela pessoa que ela está formando para o mundo. Como queremos ter profissionais mais dedicados se, desde pequenos, somos ensinados que se importar com o outro não é o que importa, mas sim ser sempre melhor que todo mundo? Infelizmente, nossa educação forma pessoas cada vez mais quadradas, que pensam dentro de uma caixinha. Não se permitem ir atrás das informações e nem na melhor forma de resolver problemas. As aulas de artes são totalmente técnicas e insuportáveis. Não nos dão oportunidade de sermos realmente quem queremos ser e crescemos adultos chatos, controladores e depressivos.

Infelizmente, nosso comportamento é resultado da educação que tivemos e isso só vai mudar quando todas as áreas foram igualmente valorizadas nas escolas e entre os alunos. Cada vez teremos mais crianças com déficit de atenção. Principalmente agora, com a tecnologia, pela qual todas elas podem ter acesso rápido a tudo. Por que elas ficariam prestando atenção em uma aula chata? Por que elas ficariam prestando atenção em algo que elas podem aprender em um segundo procurando no Google? O nosso sistema educacional precisa mudar rapidamente, pois não podemos achar que o ensino pode continuar o mesmo de 20 anos atrás, quando não existia tanta informação com facilidade. As crianças estão perdendo o interesse pela escola. Elas estão vendo o mundo de possibilidades que existe ao redor delas, vendo tudo o que elas podem criar e transformar e os colégios continuam insistindo naquele velho formato. Todas as pessoas têm uma genialidade, mas o mundo insiste, por algum motivo, que sejamos medíocres, dentro de um padrão. Não valorizam o aluno bagunceiro, nem o que vive no mundo da lua. Esses que, no futuro, provavelmente serão os adultos mais criativos.

A nossa educação mata a nossa criatividade. Na escola, não temos nenhuma oportunidade de nos mostrar e nem de crescer intelectualmente, pois, quanto mais velhos ficamos, mais taxam de ridículo aquilo que fazemos de diferente, mas que, se for estimulado, poderia ser genial. É triste a situação em que vivemos, mas já foram inauguradas escolas com uma proposta totalmente diferente de ensino, onde as matérias não são separadas, mas aprendidas juntas, como se fossem uma só. Os alunos também não são separados por turmas de acordo com a idade, mas sim por habilidades que os alunos apresentam. Espero que esse realmente seja o futuro do nosso ensino e que não criemos mais doenças para fazer as crianças se sentirem anormais. “Somos todos folhas da mesma árvore”, esse era o lema da minha primeira escola. Ainda bem que aprendi assim.

Nota da CONTI outra: a reprodução desse material foi autorizada pela autora.

Imagem de capa: Amir Bajrich/shutterstock

Marcela Picanço

Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.

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