O câncer me encontrou discretamente. Usou seu charmoso disfarce para parecer inofensivo e não me assustar logo de cara. Ele quis ganhar tempo para consumir meu corpo e só se mostrar desnudo quando fosse tarde demais.
Diante do contexto em que me encontrava, o desfecho dessa história tinha tudo para ser este. Só não foi por um detalhe valiosíssimo: uma segunda opinião.
Tudo começou quando meu filho estava com oito meses de idade. Eu estava escovando os dentes quando percebi algumas estrias na borda esquerda da minha língua, bem no fundo. Achei estranho, mas, como era indolor e eu estava envolvida com o bebê, esqueci. Vários meses depois, observei que as estrias continuavam ali, ainda indolores. Desta vez, porém, decidi investigar.
Em poucos dias, fui parar em uma estomatologista. Diante do quadro, tive que fazer minha primeira biópsia. Na época me alegrei com o resultado: não havia tumor. Era um tal de Líquen Plano Agressivo. Segundo a especialista, o líquen vem de fundo traumático (por uma mordida ou outra lesão) ou de fundo emocional. Não tenho dúvidas de que me encaixava na segunda opção.
O líquen não é câncer, mas é cancerígeno. Era preciso ficar de olho. Comecei a fazer tratamento com corticoide e isso exigiu que eu parasse de amamentar. Não sei qual das notícias foi pior, mas eu não tinha opção. Fiz o que fui orientada a fazer, mesmo com um aperto imenso no coração.
Quase meio ano de tratamento e nada de melhora. Pelo contrário: agora eu sentia dor. Muita dor. Era quase impossível comer, falar, engolir saliva, bocejar. Tudo era dolorido demais. Resultado: nova biópsia e nenhuma novidade. Lá estava o líquen e não o câncer. E eu nem podia ficar feliz porque sabia que tinha coisa errada, mas eu continuava sem resposta. Àquela altura eu já estava até disposta a encarar um diagnóstico de tumor, pois precisava da verdade. Só queria me livrar daquela dor.
Minha médica achou adequado tratar a dor com laser, já que não estaria disposta a me prescrever mais corticoide. As sessões de laser amenizavam a dor momentaneamente, mas não era isso que eu queria. Eu precisava saber o que estava, realmente, acontecendo comigo.
Mas como duvidar do diagnóstico de uma biópsia? Como questionar a opinião de uma especialista? Eu era apenas a paciente, totalmente leiga. Baseada em que teria argumentos para não acreditar no que era dito?
Continuei suportando, trabalhando, sobrevivendo. Não havia mais alegria em mim porque a dor constante me tirava os prazeres mais simples. Comer e conversar eram tarefas torturantes. Para ajudar, meu trabalho dependia da minha fala. Como eu poderia seguir alfabetizando oito horas por dia daquele jeito?
Graças a Deus, algumas pessoas da minha vida começaram a me convencer a procurar outro médico. E foi exatamente isso que salvou minha vida. Essa segunda opinião foi capaz de desmascarar o câncer através de uma biópsia feita no lugar certo. O tumor já estava em estágio intermediário. Por muito pouco ele não tomou conta da minha língua e, quem sabe, do meu corpo. Só depois disso é que pude ser encaminhada para o cirurgião de cabeça e pescoço e, finalmente, arrancar aquela coisa de mim.
E foi assim, em meio a tanto sofrimento, que aprendi a prestar atenção no meu corpo, a confiar na minha intuição e a ouvir sempre uma segunda opinião. Se hoje estou aqui é porque procurei outro médico. Se hoje estou viva é porque não aceitei uma única verdade.
Se consegui ser mais ágil que o câncer é porque recusei o resultado de duas biópsias e me submeti à terceira em outras mãos. O câncer é esperto. Felizmente, fui mais. O tempo que convivemos um com o outro me fez ver o que realmente importa nessa vida.
Dei ao tumor tempo suficiente para me ensinar a viver. E o que definiu o fim do nosso relacionamento foi , sem dúvida, um segundo olhar, uma nova verdade, uma segunda opinião.
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