Fui para o trabalho com tranças iguais às que eu usava quando criança. Vi a Rhianna usando e fiquei louca de vontade de usar também. Então minha tia fez. Isso trouxe à tona um mar de lembranças.
Quando eu era criança, estudava em um colégio de classe média alta na minha cidade. Era uma das poucas negras por lá. Minha mãe, policial, filha de um carpinteiro e uma ex diarista, não aprendeu muito sobre como se defender do racismo. Em consequência, eu também não.
Não entendia porque os meninos riam tanto de mim, das minhas tranças, da minha aparência. “Inimigas” eu tinha muitas. Era o motivo de piada da turma quase sempre. Então, me juntava com as “minorias”.
Sempre gostei de me expressar através do cabelo. Mudo sempre, até hoje. Na época do colégio, gostava das tranças que minha tia fazia. Ou enchia meu cabelo com amarras coloridas ou tererês. Na maioria das vezes, era motivo de piada. Muitas vezes, muito duras.
Então, chegou o ensino médio. Um dia, um professor de inglês chamou meu outro colega negro que estava na minha sala de “neguinho”. Fiquei indignada, queria tomar providencias, chamar a direção. Mas ele não. Preferiu deixar pra lá. Eu me calei também.
Fiquei com aquilo na mente. Me questionei o tempo todo se o problema era esse, se o problema era a cor da minha pele, os meus traços, o meu cabelo crespo. Não sei quantas vezes olhei minha aparência no espelho e chorei, copiosamente, questionando o tamanho dos meus olhos, o formato do meu rosto, minha bunda avantajada, boca grande e meu cabelo… A adolescência foi infernal.
Eu não era em nada parecida com as modelos e atrizes da TV. A não ser algumas que faziam vez ou outra papel de escravas. A única que eu via era a Glória Maria. Linda, elegante. Ela também usava o cabelo como expressão e estava sempre impecável. Uma em centenas.
Sair do colégio foi um alívio. Fui pra o mundo adulto e, não com a mesma intensidade, mas continuava me expressando através do meu cabelo. Advinha a profissão que escolhi: Jornalista. Queria fazer justiça por tudo. Era uma sede incontrolável de Justiça. Que, aos poucos, foi sendo calada pela injustiça. Mudei de área.
O racismo continuou. Uma vez, na saída de uma festa, um rapaz tentou me abordar e, como não conseguiu atenção, gritava aos quatro ventos: “Não sei porque deixaram esse povo sair da cozinha”; Uma cliente duvidou que eu era dona do meu próprio restaurante; Outra duvidou que eu era jornalista; Ou quando reviraram minha bolsa em um aeroporto na Europa e duvidaram que os jornais que eu portava na mala eram meus; Ou quando atendo um cliente e ele se surpreende com a minha educação e modos. Esses são os casos mais amenos.
Mas a menina cresceu, se tornou uma mulher, e viu mudanças enormes acontecerem no mundo. Hoje vejo as professoras ensinando sobre a denominação ridícula do lápis “cor da pele”, dançarinas negras nos programas dominicais, Thais Araújo, Lazaro Ramos, Iza, Beyoncé, Rhianna, Maju e tantos outros nomes demonstrando seus talentos e sendo respeitados. Debates tratando do tema na TV, vídeos na internet.
Hoje, estamos sendo representadas. As meninas negras da próxima geração vão passar por menos problemas que eu, que minha mãe, que minha avó, que minha comadre. Graças a Deus!
Recentemente vi uma criança repetir um comentário racista. Ao invés de ser alertada pelos pais, mandaram-na se calar e riram muito. O que demonstra que ainda falta muito para mudar. Mas as mudanças são visíveis e vão continuar.
Quando à mim, continuo mudando o cabelo como expressão. Pinto, corto, aliso, enrolo, tranço… Depende do meu humor, período, fase… Nunca da opinião das outras pessoas. Isso eu aprendi, à duras penas, e vou continuar repassando.
Representatividade importa, sim!
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Imagem de capa meramente ilustrativa: Godisable Jacob from Pexels
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