Está em andamento a facilitação do acesso às armas de fogo para os cidadãos comuns, com a justificativa de combater a criminalidade. Mas esse tema deve ser debatido com toda a sociedade, e não apenas por uma parte dela, para não cairmos no fetiche de que as armas resolveriam os problemas da segurança pública.
O termo fetiche é associado ao mundo da sexualidade, que no sentido freudiano é algo que se venera e produz prazer e excitação. É um objeto ou parte do corpo que pode ser utilizado para satisfazer o seu próprio desejo ou de alguém, portanto, as armas de fogo têm o valor simbólico ligado à potência masculina, para controlar a vida e a morte, a razão e a verdade.
Na visão psicanalítica a arma de fogo é a extensão do falo ou a angústia que representa a falta dele. E para a sociologia, o fetiche por arma se constitui numa mercadoria dotada de vida própria e com uma força misteriosa, que confere ao sujeito a ilusão que ele acabará com a criminalidade, como se fosse num “passe de mágica.”
A patologização do fetiche por armas de fogo potencializa a masculinidade tóxica, que pode ameaçar, ferir e matar. Por isso, que vem à tona o desejo de exibir revólveres nas redes sociais, emoldurá-los no ambiente de trabalho, usá-los como adereços em roupas ou cintos.
O que estamos discutindo é comprovado pela pesquisa da Universidade de Calgary, no Canadá, que afirma que a arma de fogo é um substituto para algo perdido, pois a relação do homem com sua arma é uma relação que encobre uma falta, uma inadequação e uma incompletude. E o estudo da Universidade Americana de Stanford aponta que carregar uma arma, o homem pode se sentir completo, forte e confiante enquanto no resto do tempo permanece insatisfeito.
Além disso, as pesquisas nacionais e internacionais mostram que as hipóteses de mais armas, menos crimes não apresentam qualquer sustentação científica. Também os dados confirmam que nos países em que a população tem os seus direitos negados, mais armas em circulação aumentam os números de homicídios e mortes acidentais.
Nesse cenário, o Brasil está entre os países onde mais se mata com armas de fogo no mundo. Em 2017 batemos o recorde de homicídios: 65.602 pessoas foram mortas, 71% delas por armas de fogo. Em uma sociedade machista, como a nossa, as armas de fogo ocupam um lugar de centralidade: em 2018, o país registrou 946 feminicídios e a maioria causada por armas de fogo, na qual a maior parte dos ataques às mulheres ocorre dentro de casa.
A Comissão Pastoral da Terra, em 2017, registrou uma grande quantidade de homicídios no campo, que foram por armas de fogo, num total de 71 vítimas, localizadas na região Norte, sendo que a maioria delas eram lideranças comunitárias. E os estudos do IPEA e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que para cada aumento de 1% na circulação de armas no Brasil, a taxa de homicídios aumenta em torno de 2% nas cidades.
Por conseguinte, as armas de fogos compradas para autodefesa têm o elevado risco de serem roubadas por assaltantes, dado seu alto valor de mercado, estimulando cada vez mais a violência. Porém, é evidente que as forças policiais estão preparadas técnica e psicologicamente para usar as armas de fogo na proteção da sociedade.
Enfim, a violência armada é um fenômeno que exige investigação, inteligência e melhorias no sistema de justiça criminal. Aliás, as políticas de segurança pública devem ser tratadas com seriedade, não devendo ser objeto de fetiches ou delírios narcísicos, a fim de descarregar as frustrações em cima da sociedade.
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Jackson César Buonocore é Sociólogo e Psicanalista
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