Às vezes um homem. Não vou dizer herói porque… O que é um herói? Mas, às vezes, um homem é o homem certo para determinado tempo e lugar. Ele se encaixa perfeitamente. Mas, às vezes um sujeito. Às vezes, um sujeito. Quero dizer, perdi o nó da meada. Com uma introdução confusa, inicia-se a história de “O Grande Lebowski” (The Big Lebowski) dos irmãos Coen, filme que, como a própria introdução indica, faz uma verdadeira ode ao absurdo.
A trama narra a história de Jeff Lebowski (Jeff Bridges) ou simplesmente “The Dude” (O Cara), um pacifista, meio hippie, despreocupado com a vida, que divide seu tempo entre fumar maconha, ouvir música e jogar boliche. Vivendo de forma tranquila e relaxada, sem qualquer tipo de preocupação com o amanhã. Essa tranqüilidade só é ameaçada quando “O Cara” é confundido com outro Jeff Lebowski, um milionário, tendo a sua casa invadida por capangas, que o agridem e urinam no seu tapete.
Sentindo-se indignado por ter o seu tapete, o qual compunha perfeitamente a sala, estragado, “O Cara” decide procurar o verdadeiro Lebowski, a fim de cobrá-lo pelo ocorrido. A partir de então, a história que já parecia absurda, converte-se em uma sucessão de acontecimentos bizarros e inacreditáveis, formando uma comédia nonsense, em que o absurdo se faz presente a cada nova cena.
Essa construção dos irmãos Coen, no entanto, não está ali de forma gratuita, fazendo com o que o filme seja analisado com um olhar muito mais profundo. Através dos acontecimentos absurdos vividos por um vagabundo preguiçoso, o filme busca desconstruir de forma ácida a imagem do típico herói americano e do estilo de vida considerado como de sucesso representado pelo “american way of life”.
A própria construção do personagem demonstra isso. Um sujeito que não trabalha, que não se preocupa com o amanhã, que não se move por status, que é considerado um dos homens mais preguiçosos do mundo, que passa um cheque de sessenta e nove centavos, um sujeito tão largado que não necessita nem de um nome, “O Cara”, simplesmente o serve. Ou seja, “The Dude” é um “herói” que foge totalmente ao modelo de herói americano, que trabalha duro, é inteligente, tem raciocínio rápido e é dono do seu pedaço, defendo-o inclusive por meio da violência. “O Cara” quer apenas tomar banho de banheira ouvindo música de baleias sem ser incomodado. É pedir de mais?
Sendo assim, o personagem de Bridges é a única composição que poderia viver as histórias inacreditáveis e hilárias que ocorrem ao longo da trama, buscando, como já disse, destruir a figura do herói americano, sobretudo, em um contexto de guerra (que permeia todo a história dos Estados Unidos), bem como, demonstra a fragilidade ideológica que se iniciou nos anos 90, em que vários elementos da cultura americana são satirizados.
O que se busca com O Grande Lebowski é demonstrar, por meio de uma comédia nonsense, características daquela sociedade americana, como a paranoia criada pelas guerras, o que é caricaturado perfeitamente no psicótico e raivoso Walter (John Goodman), um ex-combatente do Vietnã; a procura pelo sucesso, totalmente desconstruído pelo “Dude”; o esvaziamento de ideologias e o apego a conceitos baratos, algo que se multiplicou ainda mais com o desenvolvimento da internet.
Ao criar a atmosfera confusa do filme, os irmãos Coen questionam até que ponto aquilo que é valorizado pela sociedade americana possui de fato valor. Isto é, o que é um herói realmente como se questiona no início da obra? Será que é o modelo do patriota americano que luta nas intermináveis guerras que o seu país se envolve em busca de mais riqueza e poder? Será que é o empresário burocrata em busca de mais dinheiro e poder? O que é um herói de verdade?
O Grande Lebowski questiona e destrói esses conceitos por meio de uma narrativa niilista que não acredita em nada e desconstrói tudo a sua volta, em um tom pós-moderno, em que os valores sólidos foram derrubados, assim como o muro de Berlim. O tom captado por Joel e Ethan na composição do filme apresenta a tragédia cômica de um homem comum, que não é um herói, é simplesmente “O Cara” e vive diante de um mundo absurdo.
Absurdo representado não apenas pelos acontecimentos inimagináveis, mas, acima de tudo, pela demonstração de um mundo carente de ideologias fortes, de verdades sólidas, de respostas para perguntas que incomodam o homem, como o que é a felicidade e o sucesso. Ou seja, o absurdo representado como uma forma de existencialismo traduzido por meio de um pária, alguém sem nenhum valor social, assim como os heróis beckettianos Vladimir e Estragon, e que, portanto, acabam sendo a melhor representação de um mundo absurdo em que não há um modelo próprio para definir os questionamentos da vida.
Jeff Lebowski, melhor, “The Dude” é, acima de qualquer coisa, a representação da tragédia humana, em que divagamos em busca de respostas que não são encontradas, tentando de algum modo fazer com que sintamos que existimos e para tanto são construídos padrões e até mesmo ditaduras invisíveis que são entoadas como sinônimo de sucesso. Mas o que é um herói? Sem responder, O Grande Lebowski busca apenas desconstruir todos os protótipos da sociedade americana e, assim, demonstrar por meio de uma comédia de erros, cheia de absurdos, a própria tragédia humana em um mundo sem colorido e sem direção.
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