Categories: crítica social

O impulso de falar justamente o que não devemos

Por Benedict Carey – The New York Times

As visões parecem subir do sistema de esgoto cerebral nas piores horas possíveis – durante uma entrevista de emprego, uma reunião com o chefe, um apreensivo primeiro encontro, um importante jantar.

E se eu começasse uma guerra de comida com esses canapés?

Zombasse da gagueira do anfitrião?

Quebrasse o gelo com um comentário racial?

“Esse único pensamento é suficiente”, escreveu Edgar Allan Poe em “O Demônio do Perverso”, um ensaio sobre impulsos indesejados. “O impulso se desenvolve numa vontade, a vontade num desejo, o desejo numa compulsão incontrolável”. Ele acrescenta, “Não existe na natureza um desejo tão demoniacamente impaciente, como o daquele que, estremecendo frente à borda de um precipício, medita a respeito de mergulho”.

Ou medita sobre a pergunta: estou doente?

Em alguns casos, a resposta pode ser sim. Porém, uma grande maioria das pessoas não age, ou raramente o faz, em tais compulsões – e sua suscetibilidade a rudes fantasias reflete, na verdade, o funcionamento normal de um cérebro social e sensitivo, segundo um artigo publicado na semana passada no jornal Science. “Há todo tipo de ciladas na vida social, em todo lugar que olhamos; não apenas erros, mas os piores erros possíveis chegam a nossas mentes, e chegam com muita facilidade”, diz o autor do artigo, Daniel M. Wegner, um psicólogo de Harvard.

“E ter a pior coisa entrando em nossa mente, em algumas circunstâncias, pode aumentar a probabilidade de que uma crise aconteça”. A investigação das compulsões perversas tem um rico histórico (como poderia não ter?), passando pelas histórias de Poe e do Marquês de Sade, até os desejos reprimidos de Freud a observação de Darwin de que muitas ações são realizadas “em oposição direta a nossa vontade consciente”. Na última década, psicólogos sociais documentaram o quão comuns são essas vontades contrárias – e quando apresentam as maiores chances de alterar o comportamento de uma pessoa. Num nível fundamental, funcionar socialmente significa controlar os próprios impulsos.

O cérebro adulto gasta, na inibição, pelo menos a mesma energia que gasta na ação, sugerem alguns estudos, e a saúde mental depende da manutenção de estratégias para ignorar ou reprimir pensamentos profundamente perturbadores – da própria morte inevitável, por exemplo. Essas estratégias são programas gerais, subconscientes ou semi-conscientes, que habitualmente funcionam em piloto-automático. Impulsos perversos parecem surgir quando as pessoas focam intensamente em evitar erros ou tabus específicos. A teoria é bastante direta: para não revelar que um colega é um grande hipócrita, o cérebro precisa inicialmente imaginar exatamente isso; a simples presença daquele catastrófico insulto, por sua vez, aumenta as chances de que o cérebro cuspa tudo para fora.

“Sabemos que o que é acessível em nossas mentes pode exercer uma influência no julgamento e comportamento simplesmente por estar ali, flutuando na superfície da consciência”, disse Jamie Arndt, psicólogo da Universidade do Missouri. As evidências empíricas dessa influência têm se amontoado nos últimos anos, conforme Wegner explica no novo artigo. No laboratório, psicólogos fizeram pessoas expulsarem um pensamento de suas mentes – o de um urso branco, por exemplo – e descobriram que os pensamentos ficam voltando, aproximadamente uma vez por minuto.

Da mesma forma, pessoas tentando não pensar numa palavra específica citam-na continuamente durante testes rápidos de associação de palavras. Os mesmos “erros irônicos”, como Wegner os chama, são fáceis de evocar no mundo real. Jogadores de golfe instruídos para evitar um erro específico, como lançar longe demais, o fazem com mais frequência quando estão sob pressão, segundo estudos. Jogadores de futebol instruídos a chutar um pênalti em qualquer lugar do gol menos um local específico, como o canto inferior direito, olham para esse ponto com maior frequência que qualquer outro.

Esforços para ser politicamente correto podem ser particularmente traiçoeiros. Em um estudo, pesquisadores das universidades Northwestern e Lehigh fizeram 73 estudantes lerem uma vinheta sobre um colega ficcional, Donald, um homem negro. Os estudantes viram uma foto dele e leram uma narrativa sobre sua visita a um shopping com um amigo. No estacionamento lotado, Donald não estacionou na vaga para deficientes, embora estivesse com o carro de sua avó, que tinha um passe, mas esbarrou em outro carro para se enfiar numa vaga comum. Ele insultou uma pessoa coletando dinheiro para um fundo do coração, enquanto seu amigo contribuía com alguns trocados.

E assim continuou. A história propositalmente retratava o protagonista de maneira ambígua. Os pesquisadores pediram que aproximadamente metade dos alunos tentasse reprimir estereótipos ruins de homens negros enquanto liam e, em seguida, julgasse o personagem Donald em critérios como honestidade, hostilidade e preguiça. Esses alunos avaliaram Donald como significativamente mais hostil – mas também mais honesto – do que os alunos que não tentaram reprimir os estereótipos. Para resumir, a tentativa de banir preconceitos funcionou, até certo ponto. Porém, o estudo também trouxe “uma forte demonstração de que a supressão de estereótipos faz com que os mesmos se tornem hiperacessíveis”, concluíram os autores.

Fumantes, pessoas que bebem com frequência e usuários habituais de outras substâncias conhecem bem demais essa confusão: o esforço para reprimir o desejo por um cigarro ou uma bebida pode trazer à mente todas as razões para quebrar o hábito; ao mesmo tempo, o desejo aparentemente fica mais forte. O risco de que as pessoas irão escorregar ou “perder” depende, em parte, do nível de estresse a que estão submetidas, diz Wegner.

Concentrar-se para não olhar fixamente uma enorme verruga no rosto de um novo conhecido, enquanto troca mensagens de texto e tenta acompanhar uma conversa, aumenta o risco de que você diga: “Nós fomos comprar verruga – quero dizer, verdura. Verdura!” “Pode haver certo alívio em simplesmente acabar com tudo, fazer o pior acontecer, para que você não precise mais se preocupar com o monitoramento”, disse Wegner. O que pode ser difícil de explicar, é claro, seria caso você acabasse de abaixar as calças durante um jantar com os amigos.

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