Ela escrevia no computador quando sentiu uma brisa suspeita nas costas. Olhou pra trás e constatou que o sopro vinha do movimento das asas de um morcego.
A criatura horrenda deu várias rasantes pelo quarto, quebrou-lhe alguns objetos e sobrevoou assustadoramente sua cabeça. O que fazer? A raquete de tênis no armário – lembrou. Resolveria o problema, mas ela não era dada a brutalidades. Para evitar o confronto, buscou um esconderijo até que o visitante incômodo se retirasse.
A um certo momento, ficou claro que a espera seria inútil. Cego que era, ele não encontraria a saída sozinho. Resignada, ela retomou suas atividades, medindo de longe os deslocamentos do intruso, dividindo seu espaço, resiliente, com aquela companhia funesta.
Aproveitou para especular na Internet sobre temperamento e hábitos do animal. O conhecimento, por mínimo e pontual que seja, emancipa. E descobriu que o invasor era herbívoro e se alimentava de frutos de árvores, não de sangue. E lá estava ele, exaurido, inerte, encostado à parede.
Ela respirou fundo e se aproximou. Sua aparência era sinistra, sem dúvida. Sem nenhuma beleza, claro. Mas aquela fealdade estática lhe parecia quase inofensiva. Seu destino, ali, era a fome e o definhamento.
Acolher um morcego entre aquelas paredes era para ela uma espécie de rendição. Para o próprio, seria uma forma não violenta de extermínio. A verdade depende mesmo dos olhos, do prisma, do momento de quem vê.
Era certo, o estranho não pretendia atacá-la. Não havia nele agressividade. Ao contrário, ele parecia frágil e desinteressado de tudo, sequer a enxergava.
Nenhum temor a movia mais. Ela, que talvez tivesse deixado aberta a janela, que fora a primeira a perceber o estranho em casa, era tomada agora por um sentido de responsabilidade.
Ele perambularia por ali até morrer, mas, até esse momento, sua presença adoeceria o ambiente e as pessoas. Era preciso mandá-lo embora.
Com essa convicção, ela promoveu a reviravolta. Curvou-se diante do morcego e o tocou, corajosa e delicadamente, com as pontas dos dedos. Ele aderiu, sem resistir, à sua pele, como se intuísse o que se planejava para ele. Ela se levantou e deu um jeito de posicioná-lo no parapeito da janela, que fechou por dentro. E declarando cumprida a desagradável missão, foi dormir.
No dia seguinte, constatou aliviada que ele havia desaparecido. Seu coração se aqueceu à ideia de que havia encontrado o rumo certo, o caminho de sua existência. Àquela hora, esperou, ele já deveria estar em seu local de pertencimento. E sentiu que uma transformação definitiva se operava dentro dela.
Ao abandonar o medo e possibilitar por sua própria conta e risco aquela partida, ela fez da visita indesejável um encontro decisivo para sua alma. O breve hóspede lhe servira de improvável mestre, inusitado profeta, e ela quis prestar-lhe uma homenagem, encontrar uma forma de chamá-lo dentro de si.
Como designar o feio e aterrorizante ao primeiro momento, certamente deletério na convivência, incapaz de enxergar o outro, frio, indiferente, pacífico – um tanto pusilânime – e à espera de uma mão decidida que o afaste?
Ela encontrou o nome. Em seu íntimo, ele seria batizado com o carinhoso nome de Desamor.
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