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O livro da verdade perdida

Por Joana Nascimento

Era apenas mais uma entrevista com um personagem para construir uma boa matéria a ser entregue no trabalho. Acabou sendo uma bela e instigante história encontrada e a descoberta para apreciação de mais uma forma de fazer arte e produzir cultura. A minha pauta consistia no seguinte: fazer algumas perguntas para divulgar um evento de promoção da leitura, engendrado por uma senhora.

Mesmo estando de folga – recesso de feriado – peguei meu caderninho e minha caneta (não sou muito afeita a gravar entrevistas, gosto de anotar porque assim o texto já vai se desenhando em minha cabeça), e fui até à casa daquela que seria a minha fonte.

Começamos o nosso bate-papo e a senhora foi me entretendo facilmente com a explicação detalhada de como funciona a iniciativa que gerou o evento: há mais de 20 anos, em 1992, ela tinha descoberto que trazia em si o dom da oratória: sabia contar histórias e estórias de forma envolvente. Como boa escritora que é, um assunto puxava o outro, que desencadeava um terceiro.

Foi quando ela começou a me contar como aconteceu o seu noivado, anos atrás, que me perdi no enredo que ela narrava com intensidade e nostalgia.

Antes eu costumava pensar que, nos tempos de outrora, aqueles casamentos que aconteciam de maneira meteórica eram intempestivos e precipitados. Hoje, embora ainda ache que as coisas eram feitas de forma apressada e mediante pressão familiar e social, tento pensar na parte que também explica um pouco a mentalidade da época: as pessoas tinham mais honra e dignidade.

Pois bem, a senhora e seu ex noivo são um exemplo do paradigma daquela era.

Seus olhares se entrecruzaram num casamento de parentes em comum. Durante a festa de celebração do matrimônio, conversaram como velhos conhecidos, ou melhor, como recém apresentados, ávidos para saber um pouco mais, ou tudo, um sobre o outro. Na mesma noite, o rapaz, mais velho que a senhora então moça, lhe propôs um namoro, que teria que ser levado à distância, pois a moça, mineira, teria que suportar o trabalho dele, que o alocou no Ceará. Porém, para firmar compromisso, ele garantiu que em seis meses estaria de volta para dar-lhe a aliança de noivado e, mais um semestre depois, estaria pronto o casamento. Feliz e encantada, ela aceitou na hora.

Foram meses de troca de cartas poéticas, de se conhecerem mais a fundo e de se apaixonarem. Tudo acontecia como num romance, orquestradamente.

Como ocorre com milhões de almas amantes, que sofrem um baque imprevisto, às vésperas do matrimônio, baseada numa simples resposta que o noivo dera aos tios mais velhos, a moça decidiu não mais se casar. Por aquelas infelizes palavras, toda a imagem que ela havia construído de seu amor tinha sido manchada, desmoronando os planos feitos.

Desesperado com a decisão da moça, o rapaz voltou do Ceará definitivamente, pensando que, sanado o problema da distância, ela reataria. Nada feito. Na verdade, eles não mais se falaram e o moço nunca ficou sabendo as reais razões que levaram ao rompimento.

Como naquela época não tinha facebook ou instagram, ela nem mesmo postou qualquer indireta para que ele pudesse entender as entrelinhas.Como a vida não para para curarmos nossas dores de cotovelo, os caminhos dos dois tomaram rumos completamente diferentes.

O ponto final  dessa relação será posto agora, após tantos anos. A senhora, já bem resolvida, faz, do que lhe deu fôlego para continuar, o meio pelo qual revelará esse segredo que guinou sua trajetória ao terreno do imprevisto. Num livro já escrito, porém não publicado, ela, utilizando metáforas e outras figuras de linguagem, externa o que guardou há tempos.

Adianto, apesar de arrependimentos e da fantasmagórica pergunta ‘e se?’ que a acompanha, ela conseguiu se tornar o que julgava ser impossível caso tivesse consumado o casamento.

Quando a senhora concluiu a narrativa, percebi que tinha largado a caneta e protagonizado uma daquelas imersões que só acontecem quando estamos lendo um livro ou vendo um filme que sejam excepcionais a nosso entender.

Aquela entrevista não foi somente boa para que eu concluísse uma demanda de trabalho, também abriu os meus sentidos para a arte da contação de histórias. Uma das mais antigas formas de expressão cultural do mundo. Não me lembro de ter sido envolvida assim por um caso contado pessoalmente. Na verdade, são raras as vezes em que consigo abstrair de tudo ao redor, ou dos pensamentos incômodos que às vezes invadem a cabeça de todos nós e nos desvia a atenção do que merece. É mágico estar totalmente conectada a uma história ou estória, que sejam.

Outro estranhamento que me acometeu trata da minha aversão (não sei bem desde quando) a romances melódicos. Nada contra os apreciadores, mas, nos últimos tempos, todos os filmes ou livros que vi e li nada tinham de histórias de amor, não desse tipo de amor. Eu optava por obras cuja a história de dois amantes não era o mote, melhor ainda se não fosse nem o plano de fundo.

Talvez eu passe a direcionar meus olhares a essas narrativas sensíveis. Ou não. Pode ser que apenas essa, em especial, tenha me tocado a ponto de querer compartilhar com vocês.

Ao fim, o que penso, e talvez vocês também, é: o principal interessado no conteúdo do livro encontrará a verdade perdida que mudou a sua vida?

Joana Nascimento

Sou jornalista e aspirante a produtora e crítica cultural, e, bem incipiente, roteirista de cinema.
Acredito piamente no conhecimento do maior número de textos teóricos, narrativos e imagens como forma de evolução mental e espiritual.
Embora tenha vontade, sei que uma pessoa não muda o mundo, mas creio que cada cabeça individual é um universo diferente, e este, nós podemos melhorar sempre. O impacto positivo no todo externo será sempre progressivo e crescente.
Gosto de escrever sobre existencialismo e condutas de vida, sempre fazendo analogias com filmes, livros, música e teatro. Conheça mais em www.joananasc.blogspot.com.br.
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