Em minha casa, havia dois lugares mágicos: o escritório de meu pai, com sua enorme biblioteca, discoteca e estúdio fotográfico; o outro, um quartinho escuro, enigmático e de difícil acesso, pois, por muitas vezes, meu pai ali se trancava e não permitia que nós o incomodássemos…
Lembro-me de ficar atenta aos sons e aos movimentos dele, criando mil ideias sobre o que poderia estar acontecendo em seu refúgio, quase que diário.
Dois lugares que, sem dúvida, foram os nascedouros da minha curiosidade…
O quartinho escuro era o laboratório para revelar suas fotografias. Poucas vezes, ele nos permitia entrar, contudo me lembro perfeitamente da minha emoção quando, num determinado dia, ele me chamou para testemunhar o “milagre” acontecer.
Foi uma explosão de alegria que precisei conter para que ele não percebesse e, zangado, desistisse de seu convite.
Recordo-me do movimento da água na bacia, do tremor de suas mãos ao segurar a pinça que prendia a foto recém-tira- da e, no escuro, esperar aquela fotografia ir revelando, vagarosamente, os semblantes fotografados para, em seguida, serem penduradas num varal improvisado.
Que maravilha! Observar o movimento da água e o aparecimento, cada vez mais nítido, da foto. Algo deslumbrante, divino!
Sinto, intensamente, a mesma emoção ao recordar e nar- rar essa experiência; e, somente, há bem pouco tempo, é que me dei conta do alcance dessa vivência em minha vida e, sobretudo, na pessoa que sou! Aquele evento que apreendi com a multiplicidade dos sentidos, deu origem ao sentimento de paixão que tenho pela minha profissão.
A situação clínica na perspectiva hermenêutica (ciência da interpretação) é o lugar em que se permite a eclosão de novas possibilidades de ser e de acessar, na pessoa, o que há de mais profundo e desconhecido em si mesma.
Conteúdos psíquicos que, de outra forma, poderiam permanecer submersos e obscuros revelam seus sentidos e significados singulares, permitindo, assim, o desenvolvimento psíquico do sujeito.
A experiência analítica é um evento que, ao contrário do que muitas pessoas pensam, o profissional não empresta ao outro o que acredita ser a verdade e, sim, colhe a singularidade de cada um ao possibilitar o desvelar de sua interioridade.
A situação clínica é a bacia de água, é a mão, é a pinça, é o tempo necessário oferecido para que venha à tona o que há de melhor e pior de cada um e, assim sendo, auxilia no bem-estar da pessoa consigo mesma e com o mundo.
Aquele maravilhamento que senti quando criança está vivo e revivo até hoje, quando me surpreendo diante de cada ser humano que tenho o prazer de conhecer.
Imagem de capa: Tatyana Bondar/shutterstock
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