O luto antecipatório e o luto pós-morte

Por Paulo Vasco

Apenas tive plena noção da morte do meu pai cerca de 1 mês depois desta ter ocorrido. Acentuou-se, perante um gesto mal intencionado de “um familiar” do seu sangue. Nessa altura, já era do meu conhecimento que o meu 1.º luto (antecipatório) tinha-se iniciado pouco tempo depois de me confrontar com o seu tipo de doença. Pensei que com a sua morte, este luto cessaria e depressão alguma se esbateria. Afinal, no caso de doentes terminais, entre outros,  muitas são as situações de 2.º luto: o luto pós-morte!

Vamos descobri-lo.

No caso das enfermidades graves, como o mieloma múltiplo do meu pai, em que há um envolvimento com os cuidados do enlutado, há uma conceção do processo antecipatório, ocorrendo o luto quando o ser ainda vive em virtude da debilidade física e psíquica. O sentimento ambíguo, de receio e vontade de que a morte venha aliviar o sofrimento é comum neste estado. Em alguns casos, a energia psíquica é centralizada no doente, durante um longo período, o que pode causar um vazio para os seus familiares, quando surge sua ausência. Parte destes sentimentos é consciente. Outros, mais dolorosos, permanecem inconscientes (Kovács, 2002).

O termo “Luto Antecipatório” foi utilizado, pela primeira vez, por Lindemann, por meio da sua observação de esposas de soldados que iam para a guerra. Posteriormente, esta denominação foi utilizada para pessoas que recebem o diagnóstico de doenças terminais e o envolvimento da família nesta perda. Seja prolongada ou repentina, quando em decorrência de doenças prolongadas, esta é considerada stressante para as famílias e desencadeia um mecanismo de enfrentamento diferente. Quando uma pessoa morre inesperadamente, os membros das famílias carecem de tempo para antecipar e prepararem-se para a perda, para lidar com assuntos inconclusos ou, em muitos casos, até para dizer adeus. Quando o processo de morrer é prolongado, os recursos financeiros e a prestação de cuidados da família podem-se esgotar, e as necessidades de outros membros são colocadas suspensas. O alivio com o fim do sofrimento do paciente e da tensão familiar costuma vir carregado de culpa e cada vez mais as famílias estão no penoso dilema: em manter ou não o prolongamento, a manutenção da vida. Por se tratar de pacientes crónicos com doenças terminais, sem recursos para cura e à mercê de dores crónicas, perdem a esperança de uma possível recuperação.

Rando (2000) identificou diferentes opiniões em seus estudos sobre o tema por outros pesquisadores, sendo que, para uns o efeito do luto antecipatório pode ser positivo, pois há oportunidade de uma prevenção primária de modo a evitar o luto complicado na pós-morte, e outros julgam negativo, pois este pode conduzir a uma perda prematura. Contudo, a autora afirma que se trata de um fenomeno real e que estas discrepâncias são frutos de diferenças nas definições, dadas as falhas na apreciação da complexidade do fenómeno. A autora distingue ainda o luto pós-morte quando se discute o fenómeno psicossocial. Neste caso, um exemplo é a ambivalência dos sentimentos dos familiares e do enlutado de negação e culpa.

O luto antecipatório pode ser entendido, analisado e experimentado por quatro perspetivas distintas, sendo cada uma pertinente a cada pessoa que o experimenta:

1. Perspectiva do paciente: sendo ele a figura central do drama, desempenha o papel do doente e do enlutado;
2. Perspectiva dos familiares: refere-se à rede social com quem o paciente tem intimidade;
3. Perspectiva de outras pessoas: as pessoas que tem algum tipo de relação, porém pouco interesse e vínculo com o paciente enlutado;
4. Perspectiva do cuidador: para este, o luto pode variarconsideravelmente, de acordo com o nível de e significado do relacionamento dele com o paciente.

Analisando todo contexto, cada elemento que participa deste luto precisa ser ouvido e respeitado. Cada um destes possui pensamentos, sentimentos, valores, princípios e crenças e deve-se ter o cuidado para que isto não influa no tratamento do doente afim deste não sofrer outro choque num momento tão crítico (Fonseca, 2004).

No luto antecipatório há três focos temporais envolvidos: o passado, presente e futuro. Para o paciente nesta situação, o sofrimento de perdas vivenciadas no passado pode retornar, e para o familiar, além de lidar com a conscientização da perda no presente, irá ter de lidar com as perdas futuras diante da falta do ente querido em ocasiões especiais e memoráveis.

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Na luta contra o cancro, o meu pai partiu, no dia 20/11/2014, às 9h.45min…

Adaptado por Paulo Vasco em 18/01/015 de Caterina, M. C. (s/d). O luto: perdas e rompimento de vínculos. Vale do Paraíba: APVP, pp. 17 e 18.

Fonte indicada: Sonhos Desencontrados

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