Chega de engolir passivamente essa ditadura da perfeição feminina. Essa forma de nos fazer sentir sempre devendo alguma coisa, sempre aquém do modelo estético e nunca boas o suficiente para sermos desejadas, está nos adoecendo.
Tudo começa quando ainda somos meninas e, apesar de termos sido precedidas por inúmeras de nós que se insurgiram em oposição à violência que se pratica contra as mulheres em todo o mundo – inclusive aí na sua vizinhança -, somos embaladas em roupinhas cor de rosa, muitos lacinhos e babados que só servem pra pinicar mesmo.
Aprendemos o que pode e o que não pode, conforme vamos tentando aqui e ali dar conta do que nos aguça a vontade ou nos protege de entrar em encrencas maiores do que podemos bancar.
E uma breve observação ao redor do mundo comum nos leva a uma simples, porém preocupante constatação: há ainda muito mais “zonas proibidas” às meninas do que aos meninos; as meninas são criadas com muito mais regras o que os meninos; há muito mais “não senhoras” do que “não senhores”.
Por incrível que pareça, ainda caem na conta das meninas expectativas muito mais rigorosas do que aquelas que caem na conta dos garotos. Ainda há famílias que criam seus meninos abastecidos de liberdade, cheios de possibilidades de se sujar, ralar e experimentar; e suas meninas andando sobre a ponta dos pés, contidas, regradas, elegantes e obedientes.
Em pleno curso do século XXI ainda há meninas que são criadas a partir de paradigmas morais muito mais rígidos e expectativas menos brilhantes sobre seus futuros. Meninas criadas para satisfazer um estereótipo enferrujado e tosco de perfeição.
A realidade das coisas é que nós, as meninas, acabamos por vestir uma falsa capa de super-heroína que nos verga os ombros e não nos dá nenhum poder, porque ainda acreditamos que é o máximo darmos conta de jornadas múltiplas de trabalho.
Vestimos essa fantasia surreal todas as vezes em que achamos normal ter uma jornada infinita de obrigações diárias: ser linda, ser magra, ser equilibrada, ser bem-sucedida, ser doce, ser apimentada; ter talento, uma paciência infinita e mil e uma utilidades.
Tudo isso numa mulher só não há de caber, nem mesmo se formos capazes de incorporar uma deusa da mitologia grega. Uma hora a gente acaba espanando. E o preço é muito, muito alto!
Há inúmeras de nós que amargam sozinhas a dor de uma depressão pós-parto, porque o bonitão que ajudou a fazer o bebê não está preparado para nos ver assim desorganizadas emocional e externamente.
Há uma porção de mulheres como nós que sofrem as agruras dos descontroles hormonais da meia idade, mortas de medo de serem abandonadas por seus parceiros pelo simples fato de estarem tentando aprender a lidar com ondas de calor, melancolias inexplicáveis e uma libido que resolveu funcionar de um outro jeito – ainda incompreensível para nós mesmas.
Por mais que nós já tenhamos dado inúmeros passos na direção de uma convivência menos desigual e mais humanizada, é preciso que não fechemos os olhos para o fato de que ainda temos muito pelo que lutar.
E o começo de uma vida mais possível, mais liberta e menos estigmatizada passa por nossas próprias mãos. A perfeição é um mito, e como tal deve ficar nas histórias fantásticas.
A perfeição não nos serve, é um espartilho medieval que aprisiona nossas almas num corpo espremido que não consegue respirar.
Ser mulher é delicioso, e deve ser delicioso sempre, mesmo quando a gente não está a fim de ser “a gostosa”, “a garota exemplar” ou a “Vênus encarnada”!
Brindemos então ao direito de sermos imperfeitas, livres e soltas! Brindemos à nossa estranha capacidade de sangrar todos os meses, ainda que ninguém nos tenha ferido. Brindemos a nós! Somos mulheres e não deusas!
Queremos o mundo, desejamos o imensurável! Nosso corpo de carne, osso, músculos, curvas e emoções não foi feito para ficar sorrindo num altar, foi feito para se lambuzar da vida, em todas as suas possibilidades! Perfeitinha era sua bisavó, você é rigorosamente o que lhe der na cabeça! Portanto, tome posse de si mesma, antes que alguém o faça!
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