Vivemos em um mundo em que tudo deve seguir uma forma e uma métrica. Tudo deve seguir ditames matemáticos e ser valorado. Todas as coisas que não podem ser valoradas, isto é, que não possuem uma utilidade clara, são desprezadas da vida. Esse utilitarismo cartesiano capitalista transforma a vida em uma grande linha de produção, em que todas as coisas que fazemos devem obrigatoriamente servir para alguma coisa.
Em outras palavras, você deve ser útil. Sendo assim, coisas que não possuem uma utilidade clara, como, por exemplo, a poesia, devem ser necessariamente descartadas da vida, já que somente aquilo que é proeminentemente útil possui valor. Diante disso, declaro a minha insatisfação e meu desejo de ter um mundo de pessoas inúteis.
De que me adianta viver sem poder ter uma boa conversa, daquelas que vão desde os assuntos mais mundanos e triviais aos mais existencialistas e melancólicos? Nada de conversas protocolares e com uma utilidade, falo de palavras despretensiosas e, ao mesmo tempo, sinuosas. Um papo sereno, que vem de mansinho, que bate à porta e quer ficar.
De que me adianta viver sem poesia? A poesia é o que me faz diferente, é o que me torna único, é o que me faz sonhar e ter essa incessante vontade de dobrar a realidade. É o que me dá imaginação para sempre ter uma boa história para contar, para deixar alguém com a orelha em pé e um sorriso no rosto. É o que me faz chorar, porque as lágrimas são a aquarela da alma e uma vida sem lágrimas é uma vida sem cor.
De que me adianta viver sem abraços quentes e apertados? Sem o afago sincero, sem o olhar silencioso que fala. Sem a coragem alucinante para amar, sem o soluço de um coração partido, sem a gagueira que insiste em querer dizer palavras que só se entendem com o coração.
De que me adianta viver sem música? Sem ouvir o canto dos pássaros que anunciam a aurora que nasce? Sem ouvir o som das folhas que balançam sempre que há um vento mais forte que a corta como um sinal de vitalidade? Sem o som das ondas que arrebentam perto da praia em um início e fim de imensidão?
De que me adianta viver sem a coragem, para me equilibrar no fio da navalha? Sem o medo da morte que me faz sempre querer viver? Sem a saudade que me faz querer estar junto? Sem o desenho de uma criança? Sem olhar para as nuvens, os desenhos de Deus?
De que me adianta viver sem a inutilidade, sem as gratuidades, sem as façanhas lúdicas, sem a ternura que canta para acalmar a ansiedade que não quer se dobrar ao tempo? De que me adiante ter tudo que possui um valor, que pode ser comprado e ser vendido, mas não pode ser guardado?
Eu quero uma vida importante e isso só é possível quando estamos atentos para guardar todos os momentos que vêm depressa e logo se vão, em coisas pequenas manifestas na grandiosidade de felicidades invadidas por uma inutilidade vã. Eu quero ser inútil, para não perder o dom de chorar e de ter cores sempre vivas para pintar sonhos. O mundo não precisa de mais etiquetas marcando preços. O mundo precisa de pessoas inúteis.
Imagem de capa: SPITZWEG, Carl – O poeta pobre, 1839
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