Esse belíssimo texto me levou a refletir sobre as marcas que as pessoas que amamos deixam registradas em nossa vida e nossas memórias. O autor cita uma criança e a energia que fica impregnada nos ambientes da casa, mesmo quando ela não está presente.
Essa espécie de presença na ausência, como gostava de dizer o querido Rubem Alves, é um dos motivos para se sentir tanta saudade quando alguém vai embora para morar em outro lugar ou quando alguém desencarna.
Inclusive quase todas as pessoas têm um costume de guardar em casa alguma coisa que faça lembrar com carinho aquela pessoa que tanto amamos. Pode ser um álbum de fotografias, um presente que ela nos deu, algum objeto que ela apreciava etc.
Até hoje lembro com alegria de uma aula especial que tive no curso de Filosofia que estou cursando com um professor incrível chamado Custódio Almeida. Nessa aula ele falava sobre o conceito de sagrado, que de forma geral é levado para o campo do religioso, do divino ou do esotérico, porém, numa acepção mais profunda está ligado àquilo que temos reverência e profundo respeito.
Como exemplo ele citou que se você guarda com carinho uma canequinha que um dia pertenceu à sua avó e ela tinha muito prazer em utilizá-la no dia a dia, esse é um objeto sagrado, pois remete a essa reverência e amor por essa avó. Uau! Toda a turma ficou vidrada ouvindo sua explanação brilhante a respeito dessa temática.
Existe essa sacralidade envolvida com o amor que sentimos pelas pessoas especiais que passam pela nossa vida. O meu intuito com esse texto é despertar em você essa fagulha do divino que está dentro de cada um de nós e que nos dá o nosso perfume.
A nossa alma tem um perfume próprio sabia disso? Quanto mais buscamos crescer como seres humanos, nutrindo grandes virtudes e gestos, mais suave e inebriante nosso perfume vai se tornando, e mais vamos deixando nossa marca por onde formos. Da mesma forma que existem as pessoas que passam muitos anos, por vezes uma vida inteira, nutrindo raiva, mágoa, ressentimento, desconfiança, mentira, inveja etc. Estas fazem com que esse perfume se torne ácido e desequilibre os ambientes por onde elas passam.
Que tal buscarmos inspiração nas pessoas que tem essas almas lindas e perfumadas hein? Dessa forma, a força do amor que é emanada delas, pode tocar nossa alma, ajudando a também nos tornarmos essas almas perfumadas.
Para concluir, nada melhor do que ampliar essa reflexão com uma das mais belas poesias do mestre Carlos Drummond de Andrade. Um poeta inesquecível que ainda hoje espalha seu perfume pelos quatro cantos do mundo…
ALMAS PERFUMADAS….
Tem gente que tem cheiro de passarinho quando canta.
De sol quando acorda.
De flor quando ri.
Ao lado delas, a gente se sente
no balanço de uma rede que dança gostoso
numa tarde grande, sem relógio e sem agenda.
Ao lado delas, a gente se sente
comendo pipoca na praça.
Lambuzando o queixo de sorvete.
Melando os dedos com algodão doce
da cor mais doce que tem pra escolher.
O tempo é outro.
E a vida fica com a cara que ela tem de verdade,
mas que a gente desaprende de ver.
Tem gente que tem cheiro de colo de Deus.
De banho de mar quando a água é quente e o céu é azul.
Ao lado delas, a gente sabe
que os anjos existem e que alguns são invisíveis.
Ao lado delas, a gente se sente
chegando em casa e trocando o salto pelo chinelo.
Sonhando a maior tolice do mundo
com o gozo de quem não liga pra isso.
Ao lado delas, pode ser abril,
mas parece manhã de Natal
do tempo em que a gente acordava e encontrava
o presente do Papai Noel.
Tem gente que tem cheiro das estrelas
que Deus acendeu no céu e daquelas que conseguimos
acender na Terra.
Ao lado delas, a gente não acha
que o amor é possível, a gente tem certeza.
Ao lado delas, a gente se sente visitando
um lugar feito de alegria.
Recebendo um buquê de carinhos.
Abraçando um filhote de urso panda.
Tocando com os olhos os olhos da paz.
Ao lado delas, saboreamos a delícia
do toque suave que sua presença sopra no nosso coração.
Tem gente que tem cheiro de cafuné sem pressa.
Do brinquedo que a gente não largava.
Do acalanto que o silêncio canta.
De passeio no jardim.
Ao lado delas, a gente percebe
que a sensualidade é um perfume
que vem de dentro e que a atração
que realmente nos move não passa só pelo corpo.
Corre em outras veias.
Pulsa em outro lugar.
Ao lado delas, a gente lembra
que no instante em que rimos Deus está conosco,
juntinho ao nosso lado.
E a gente ri grande que nem menino arteiro.
Tem gente como você que nem percebe
como tem a alma Perfumada!
E que esse perfume é dom de Deus.
***
Foto de Renato Abati no Pexels
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