O privilégio de não saber o que fazer da vida

Imagem: George Dolgikh/shutterstock

Existe uma pressão tão grande para encontrarmos logo o que queremos fazer pro resto da vida que parece errado fazer as coisas só pelo prazer de fazer, de tentar, de curtir. Que medo é esse de perder tempo se estamos ganhando tanto por outro lado?

Por uma vida com menos objetivos e mais descobertas.

Eu sei que não saber o que fazer da vida pode ser muito angustiante. Somos impactados por tantas histórias de pessoas que juntaram profissão com o propósito de vida e foram viver felizes para sempre, que parece obrigação encontrar a nossa vocação e arriscar tudo por ela.

A questão é que eu vejo muita gente sem ideia do que fazer da vida, mesmo já sabendo o que faz seus olhos brilharem. E vejo outras que gostam de tantas, mas tantas coisas ao mesmo tempo, que não querem se dedicar a uma coisa só. São pessoas do mundo, que preferem arrecadar experiências e histórias para contar, preferindo se dedicar a projetos pessoais, a aprender, descobrir, viajar, amar. Essas, inclusive, são as pessoas mais interessantes que eu conheço, porque elas olham para o mundo com vontade de absorver tudo que ele tem para nos oferecer.

E eu sinto que existe uma pressão tão grande para encontrarmos logo o que queremos fazer pelo resto da vida, que parece errado fazer as coisas só pelo prazer de fazer, de tentar, de curtir. Que medo é esse de perder tempo, se estamos ganhando tanto por outro lado? Afinal, que obsessão é essa pela sucesso? Por que sentimos obrigação de ser o melhor em tudo o que fazemos? Para mim, para obter sucesso em alguma coisa, é preciso apenas concluí-la com prazer, nada mais.

Temos que ter em mente onde queremos estar daqui a 5 anos, mas nunca tivemos tanta oportunidade de fazer o que queremos. É um paradoxo. E fica difícil mesmo escolher um caminho só, traçar metas e alcançá-lo, porque escolher uma coisa significa abdicar de todas as coisas. E, se você tiver certeza do que quer, beleza. Vai fundo, porque vai valer a pena abrir mão de todas as outras coisas. Mas, se você não tem tanta certeza assim, qual é o problema de aproveitar a vida com toda a intensidade, tentando viver tudo ao mesmo tempo, sem um objetivo?

Existem tantas formas de ser feliz e de encontrar o propósito em coisas que a gente nem imagina. Às vezes, o seu propósito é viajar mesmo, conhecer lugares e pessoas novas. Não é o que você mais gosta de fazer? Às vezes, é tocar violão na sala, apresentar uma peça num pocket show. Às vezes, não tem nada a ver com arte. Sua parada pode ser resolver problemas, ajudar pessoas a se desenvolverem, estudar, ensinar, conectar, empreender. E, vem cá, será que você precisa mesmo transformar essa paixão em profissão? Enquanto não tem dinheiro envolvido, ninguém pode lhe dizer como fazer.

E, tudo bem também, se sua vocação e propósito mudam de tempos em tempos, afinal, como disse Guimarães Rosa, no livro Grande Sertão: Vereda: “O importante e bonito do mundo é isso: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam.”

Pensando nisso, cheguei à conclusão de que quem não sabe o que fazer da vida tem o privilégio de não precisar viver com um objetivo e não há nenhuma inércia nisso, mas sim muito movimento. Você pode se dedicar a fazer uma coisa nova todos os dias. Pode encontrar talentos e vontades escondidos, pode descobrir o propósito na própria descoberta, sem medo do fracasso e sem o peso de obter êxito. E é assim que você vai descobrir que as coisas que fazemos sem expectativas, imersos no processo, são as mais verdadeiras. São as que realmente valem a pena.

Marcela Picanço

Atriz, roteirista, formada em comunicação social e autora do Blog De Repente dá Certo. Pira em artes e tecnologia e acredita que as histórias são as coisas mais valiosas que temos.

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