Sobre pais que ensinam os filhos sobre o que é a “vida real”… e sobre os filhos que têm pais assim
Certa vez, numa entrevista, Chico Anysio fez um comentário que me marcou para sempre: “- A única vantagem de ficar velho é saber mais”. Descobri que tem uma verdade e uma mentira nessa afirmação.
A verdade é que quanto mais se vive, mais se aprende, mais estamos preparados para enfrentar os desafios. À medida que ficamos mais velhos, nossa vida tende a ficar menos dramática. Pense nos seus grandes problemas de 10 anos atrás. Se tivesse que enfrentá-los novamente, provavelmente tiraria “de letra”, não é verdade? Enfrentar problemas com serenidade traz muita qualidade de vida.
A mentira é que, naquele momento, Chico Anísio tentava passar a lição de que os jovens DEVEM escutar os mais velhos, e NÃO contestar tanto. Aí é que a “coisa pega” pra mim. As experiências de vida não são transferíveis de uma pessoa para outra. Embora entenda claramente (e até aceite) o recado, acho bastante perigoso. Ter uma idade mais avançada não significa necessariamente ser uma fonte de sabedoria. O mundo está cheio de pessoas mais velhas que são imaturas, repletas de dores e preconceitos. Quando uma pessoa mais velha tenta passar uma mensagem para outra mais nova, geralmente a faz sob sua ótica e experiência de vida. Em vez de ajudar, pode atrapalhar muito.
Vou contar uma história real para exemplificar. Tenho uma grande amiga aqui em Montevidéu que também é estrangeira. É uma pessoa inteligente, interessante, tem uma vida dinâmica, e parece possuir um dom de atrair amigos e oportunidades. Vive numa casa ampla com jardim e piscina, sempre saudavelmente bagunçada.
Outro dia, ela comentou que foi a primeira de sua família a fazer um curso superior. E, para tanto, teve que contrariar sua própria mãe. A mãe acreditava que ela não deveria ter seguido os estudos após o ensino médio. Ninguém de sua família havia feito curso superior e “isso não era necessário”. Desde seu ponto de vista, era preciso começar a “vida de verdade” e arrumar um emprego (mais sobre a vida de verdade em um segundo).
Como se não bastasse, mesmo depois de ver o sucesso da filha, com uma carreira internacional e tudo mais, ela continua discordando. Diz que o emprego da filha não é um “emprego de verdade”. Aí vem a frase que mais “gosto” e que já ouvi em várias oportunidades, de várias pessoas diferentes. Sua mãe lhe disse: – “Você não conhece a vida real”. Tem uma variante igualmente interessante: “Um dia você vai aprender como é a vida real!”.
A vida dela me parece bem real. Nossa amizade é bem real, e a abundância que ela atrai para a própria vida me parece bem real. Não me refiro somente à abundância material, mas já nadei na piscina da casa deles e…. é bem real. A água é molhada!
A vida de cada um de nós é uma experiência única. Você pode comparar, usar a experiência de outros para te ajudar, mas, no fim das contas, você aprende mesmo é com suas próprias vivências. É como fazer uma viagem. Você pode pedir dicas a um amigo sobre hotéis, passeios e lugares interessantes. Quando chegar a sua vez, o clima vai ser diferente, as pessoas serão diferentes, as experiências serão diferentes… E, acima de tudo, você é diferente do seu amigo. E o mais importante é que, se você não tomar cuidado, a experiência dos outros pode limitar as suas.
Nossa vida é cheia de amarras invisíveis. A frase “Você não conhece a vida real” geralmente é dita por pessoas que tiveram uma vida sofrida, e, muitas vezes não conseguem admitir para si mesmo que fizeram escolhas ruins na vida. Quantos pais fazem os filhos passarem por provações e privações para prepará-los para a vida real? Será que isso é bom mesmo? Tenho minhas dúvidas e minha própria teoria sobre isso. Aliás, a teoria não é minha, mas decidi adotá-la: nós atraímos tudo aquilo que vivenciamos.
Longe de ser um estímulo à rebeldia, quero fazer um convite à reflexão. Quando baseamos nossas decisões nas experiências dos outros, descartamos um pouco de vida. Pude perceber que minha amiga, de certa forma, carrega um certo peso por discordar da própria mãe, por não ter sua aprovação e, de alguma forma, decepcioná-la, mas tenho certeza de que não está arrependida de sua decisão de viver a própria vida.