O que é bom demais também pode ser verdade.

Por que temos tanta dificuldade em aceitar os bons momentos imaginando que eles são prenúncio de uma grande tragédia?

Acho que em quase todos os filmes que assisti vi aquela cena na qual tudo está indo muito bem e todos estão felizes. Então, de repente, percebe-se a atmosfera de que algo ruim vai acontecer. A música de fundo sinaliza que está chegando uma grande tragédia e os olhares dos personagens nos revelam que o pior ainda está por vir. A felicidade como prenúncio da morte, do terremoto, do tsunami, do meteoro, do marido traído chegando, do ataque do tubarão ou da trombada no iceberg é facilmente encontrada nos filmes, nos livros, nas novelas.

A arte quando imita a vida, imita com destreza. Parece ser bem comum na nossa cultura aceitarmos com mais facilidade as más notícias, as tragédias, as perdas, as críticas. Estamos muito acostumados a aceitar o que é ruim. Talvez isso tenha vindo com o cristianismo que promete a salvação a quem sofrer bastante aqui na terra; ou talvez seja simplesmente a passagem dos conceitos de geração para geração sem questionamento algum.

O que era doce se acabou.

Estava bom demais para ser verdade.

Quando a esmola é demais o santo desconfia.

As frases acima nos dizem que tudo que é bom precede o ruim. Engolimo-nas como se fossem verdades absolutas. Até Tom Jobim cantou que “tristeza não tem fim, felicidade sim”. Ah Tom, quem será que lhe fez escrever isso?

Assim como minha avó me dizia que eu morreria se comesse manga verde e tomasse leite em seguida, ela deve ter me ensinado que “quando está tudo muito bem, pode esperar que logo atrás virá a desgraça”. E é assim que, sem perceber, vamos aceitando as coisas ruins da vida como naturais, criando muros para que a felicidade não se aproxime. Parece que nos ensinaram a ter medo do que é bom.

Recebo muitas mensagens durante a semana e uma me chamou muito a atenção. Um rapaz me escreveu para contar que deixou ir embora a mulher da vida dele e que havia descoberto que fez isso simplesmente porque não acreditava que algo tão bom pudesse estar acontecendo. Escreveu apenas para me contar. Respondi apenas “obrigada pela mensagem, por ter me contado”. O que mais poderia eu dizer a ele? Se é difícil aceitar um elogio, o que dizer sobre a chegada de um grande amor? Muitas vezes não aceitamos e nem acreditamos nos elogios, desconfiamos deles e de quem os faz. Quando nos dizem que estamos usando uma blusa bonita, por exemplo, a resposta que vem é sempre um:

-“Ah imagina, nossa, é tão velha essa blusa!”.

Percebam que a frase bloqueia o elogio, é uma defesa a ele. Nas entrelinhas fica claro que não o aceitamos. Legal seria dizer um “muito obrigado” e saborear a escolha de uma roupa bonita e da admiração vinda por isso. Ah, mas é mais fácil pensar que é inveja, que é falsidade, ou que estão de brincadeira conosco não é mesmo? Percebem como a nossa mente funciona?

Estamos habituados a criar barreiras ao que é bom e aceitarmos de braços abertos as críticas. Se a cena acima mostrasse alguém nos dizendo algo do tipo: “ah, não gostei dessa sua blusa, não ficou bem em você” teríamos não só a aceitação incondicional da crítica, mas também daríamos àquela frase o poder de acabar com nosso dia e certamente a blusa iria para o lixo junto com a amizade.

É provável que estejamos estragando diariamente nossa felicidade bancando os diretores de filmes nos quais ela só serve para ser prenúncio da desgraça. E assim vamos afastando os grandes amores, as blusas bonitas e as amigas sinceras. Vamos extinguindo o comportamento de elogiar e de acreditar nos elogios. Passamos a aceitar apenas o que a vida oferece de ruim como se viver fosse essa resignação de “cristão crucificado” que um dia receberá o reino dos céus. Ah, o Cristo não concordaria com isso. Ele, que só pediu que amássemos uns aos outros não deve ter achado bonito o rapaz que deixou ir embora a futura mãe dos filhos dele porque achava que ela era “areia demais para o seu caminhãozinho”.

“É bom demais e é verdade”. Este deveria ser o título do meu artigo. É assim que pensam e vivem as pessoas felizes. Elas simplesmente aceitam os elogios, o afeto e os momentos prazerosos. Elas não têm medo da profecia malévola na qual tudo vai dar errado no fim, inventada sei lá quando e sei lá por quem. Elas passam pela vida e superam os momentos ruins, não se ofendem com as críticas, e nem dão valor algum a elas. Já sobre elogios, felicidade e grande amor de suas vidas, ah elas correm atrás deles o tempo todo e por isso os alcançam.

 

Viviane Battistella

Psicóloga, psicoterapeuta, especialista em comportamento humano. Escritora. Apaixonada por gente. Amante da música e da literatura...

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Viviane Battistella

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