A infância é o período mais rico e interessante de nossas vidas. É na infância que desenvolvemos nossa força criativa, nossa curiosidade e capacidade de lidar com situações novas. O inusitado nos encanta. O mundo é um mistério maravilhoso. Queremos experimentá-lo, sorvê-lo e transformá-lo.
Há sempre um tempo certo para cada uma de nossas experiências ao longo da vida. Assim como há diversas maneiras certas de garantir que façamos o melhor proveito possível de cada uma das infinitas aprendizagens a que temos direito. E abreviar a infância é uma violência contra a nossa natureza, e as consequências dessa abreviação podem ser seríssimas.
Adultos que somos, temos em nossas mãos a capacidade de determinar o tempo que ofereceremos às nossas experiências, bem como o direito de escolher o que queremos ou não aprender.
As crianças, no entanto, dependem de nós para terem assegurados tempo suficiente para que possam desenvolver-se de forma saudável e harmoniosa. Os pequenos dependem do nosso bom senso, da nossa permissão e do nosso apoio para que possam ser crianças durante esse período de vida maravilhoso que é a infância.
Entretanto, na ânsia de oferecer aos nossos pequenos as melhores oportunidades de futuro, corremos o sério risco de não os deixar viver o presente em toda a sua plenitude. Nossas crianças vivem super estimuladas por uma gama de informações e acesso a artefatos tecnológicos que acabam por esgotá-las e tirar delas a chance de chegar às suas próprias conclusões acerca das descobertas necessárias ao seu desenvolvimento cognitivo e emocional.
Do ponto de vista material, estamos caprichando demais. Estamos rodeando nossos meninos e meninas de coisas, de brinquedos, de livros e mais tudo o que nos é possível adquirir, porque já estamos acostumados a responder aos apelos de consumo. Quase sem pensar – e de fato sem nenhuma intenção nefasta -, acabamos por incorporar essa ideia de que eles precisam mesmo de tantas coisas para serem felizes. E eles não precisam.
A realidade é que passamos do ponto. Deixamos para trás vivências e convivências de uma vida mais simples, mas incrivelmente mais rica, no que diz respeito à criação de vínculos e formação de habilidades afetivas e intelectuais.
Há em nosso cotidiano um número considerável de espaços que precisam ser ocupados com presença, nossa presença. E por mais que seja difícil escapar dessa concordância coletiva, precisamos parar alguns instantes e reconhecer que estamos submetendo nossas crianças a rotinas estressantes demais, competitivas demais, exigentes demais.
Talvez a responsabilidade maior seja nossa, pelo excesso de agitação, pela falta de foco, pela irritabilidade e pela falta de autoridade amorosa que, no fim das contas é a maior causa de tantos transtornos de comportamento e aprendizagem.
Os consultórios andam cada vez mais abarrotados de crianças encaminhadas com suspeita de Déficit de Atenção e Hiperatividade. É assustador a quantidade de crianças medicadas, em idades cada vez mais precoces. É preocupante demais observar o nível de sofrimento dessas crianças que não conseguem caber nas rotinas engessadas e conteúdos excessivos oferecidos pela grande maioria das escolas, com a anuência e aplauso dos responsáveis.
Soterradas sob pilhas de tarefas e expectativas, elas vão criando suas próprias estratégias de sobrevivência. Sempre haverá aquelas que são mais resilientes e acabarão dando conta, serão bem-sucedidas e recompensadas com boas notas e com o reconhecimento à sua inteligência, como se a inteligência fosse algo que se resume ao que se ensina na escola. Mesmo esses, no caso de inadequação da dose, ainda que sobrevivam, estão sendo massacrados.
A verdade é que o que há de errado com nossas crianças é que elas estão exaustas. Estamos negando a elas o direito à infância. Estamos criando atalhos cada vez mais eficientes para o mundo adulto, quando o que elas precisam é de mais tempo para brincar, explorar, refletir e conviver.
Precisamos sair do piloto automático e meditar com mais profundidade sobre o nosso papel nessa história. Precisamos parar de nos preocupar tanto com o amanhã deles, a ponto de nos esquecermos quem eles são hoje, do que eles precisam hoje. Porque se conseguirmos abraçar uma vida mais simples e significativa agora, teremos crianças plenas e em condições de se tornarem adultos inteiros, adultos que serão mais capazes de entender, acolher e respeitar as crianças de amanhã.