Ana Macarini

O que há de errado com nossas crianças?

A infância é o período mais rico e interessante de nossas vidas. É na infância que desenvolvemos nossa força criativa, nossa curiosidade e capacidade de lidar com situações novas. O inusitado nos encanta. O mundo é um mistério maravilhoso. Queremos experimentá-lo, sorvê-lo e transformá-lo.

Há sempre um tempo certo para cada uma de nossas experiências ao longo da vida. Assim como há diversas maneiras certas de garantir que façamos o melhor proveito possível de cada uma das infinitas aprendizagens a que temos direito. E abreviar a infância é uma violência contra a nossa natureza, e as consequências dessa abreviação podem ser seríssimas.

Adultos que somos, temos em nossas mãos a capacidade de determinar o tempo que ofereceremos às nossas experiências, bem como o direito de escolher o que queremos ou não aprender.

As crianças, no entanto, dependem de nós para terem assegurados tempo suficiente para que possam desenvolver-se de forma saudável e harmoniosa. Os pequenos dependem do nosso bom senso, da nossa permissão e do nosso apoio para que possam ser crianças durante esse período de vida maravilhoso que é a infância.

Entretanto, na ânsia de oferecer aos nossos pequenos as melhores oportunidades de futuro, corremos o sério risco de não os deixar viver o presente em toda a sua plenitude. Nossas crianças vivem super estimuladas por uma gama de informações e acesso a artefatos tecnológicos que acabam por esgotá-las e tirar delas a chance de chegar às suas próprias conclusões acerca das descobertas necessárias ao seu desenvolvimento cognitivo e emocional.

Do ponto de vista material, estamos caprichando demais. Estamos rodeando nossos meninos e meninas de coisas, de brinquedos, de livros e mais tudo o que nos é possível adquirir, porque já estamos acostumados a responder aos apelos de consumo. Quase sem pensar – e de fato sem nenhuma intenção nefasta -, acabamos por incorporar essa ideia de que eles precisam mesmo de tantas coisas para serem felizes. E eles não precisam.

A realidade é que passamos do ponto. Deixamos para trás vivências e convivências de uma vida mais simples, mas incrivelmente mais rica, no que diz respeito à criação de vínculos e formação de habilidades afetivas e intelectuais.

Há em nosso cotidiano um número considerável de espaços que precisam ser ocupados com presença, nossa presença. E por mais que seja difícil escapar dessa concordância coletiva, precisamos parar alguns instantes e reconhecer que estamos submetendo nossas crianças a rotinas estressantes demais, competitivas demais, exigentes demais.

Talvez a responsabilidade maior seja nossa, pelo excesso de agitação, pela falta de foco, pela irritabilidade e pela falta de autoridade amorosa que, no fim das contas é a maior causa de tantos transtornos de comportamento e aprendizagem.

Os consultórios andam cada vez mais abarrotados de crianças encaminhadas com suspeita de Déficit de Atenção e Hiperatividade. É assustador a quantidade de crianças medicadas, em idades cada vez mais precoces. É preocupante demais observar o nível de sofrimento dessas crianças que não conseguem caber nas rotinas engessadas e conteúdos excessivos oferecidos pela grande maioria das escolas, com a anuência e aplauso dos responsáveis.

Soterradas sob pilhas de tarefas e expectativas, elas vão criando suas próprias estratégias de sobrevivência. Sempre haverá aquelas que são mais resilientes e acabarão dando conta, serão bem-sucedidas e recompensadas com boas notas e com o reconhecimento à sua inteligência, como se a inteligência fosse algo que se resume ao que se ensina na escola. Mesmo esses, no caso de inadequação da dose, ainda que sobrevivam, estão sendo massacrados.

A verdade é que o que há de errado com nossas crianças é que elas estão exaustas. Estamos negando a elas o direito à infância. Estamos criando atalhos cada vez mais eficientes para o mundo adulto, quando o que elas precisam é de mais tempo para brincar, explorar, refletir e conviver.

Precisamos sair do piloto automático e meditar com mais profundidade sobre o nosso papel nessa história. Precisamos parar de nos preocupar tanto com o amanhã deles, a ponto de nos esquecermos quem eles são hoje, do que eles precisam hoje. Porque se conseguirmos abraçar uma vida mais simples e significativa agora, teremos crianças plenas e em condições de se tornarem adultos inteiros, adultos que serão mais capazes de entender, acolher e respeitar as crianças de amanhã.

Ana Macarini

"Ana Macarini é Psicopedagoga e Mestre em Disfunções de Leitura e Escrita. Acredita que todas as palavras têm vida e, exatamente por isso, possuem a capacidade mágica de serem ressignificadas a partir dos olhos de quem as lê!"

Recent Posts

Mãe expõe áudios de filha que foi abandonada pelo pai: “Nunca te fiz mal, pai”

Em mensagens de cortar o coração, a menina deixa evidente a falta que o pai…

6 horas ago

Mulher que teve experiência de quase morte detalha visão assustadora que teve ao ‘deixar seu corpo’

Cirurgia radical levou paciente ao estado de morte clínica, revelando relatos precisos de uma “vida…

8 horas ago

Agnaldo Rayol falece de forma trágica aos 86 anos e deixa legado na música brasileira

O cantor Agnaldo Rayol, uma das vozes mais emblemáticas da música brasileira, faleceu nesta segunda-feira,…

1 dia ago

Padre causa polêmica ao dizer que usar biquíni é “pecado mortal”

Uma recente declaração de um padre sobre o uso de biquínis gerou um acalorado debate…

1 dia ago

A triste história real por trás da série ‘Os Quatro da Candelária’

A minissérie brasileira que atingiu o primeiro lugar no TOP 10 da Netflix retrata um…

1 dia ago

Você sente “ciúme retroativo”? Ele pode arruinar as relações

O ciúme retroativo é uma forma específica e intensa de ciúme que pode prejudicar seriamente…

3 dias ago