O que pensar de “Thirteen Reasons why” depois de assistir a segunda temporada – principalmente o desfecho dela.

Ontem eu terminei de assistir a segunda temporada da polêmica série americana “Thirteen Reasons Why”, baseada no livro homônimo de Jay Asher, e adaptada por Brian Yorkey para a Netflix. A série traz como tema central o suicídio da jovem Hannah Baker que, após um conjunto de eventos –  experienciados de forma cumulativa, crescente e contínua –  encontra como única saída possível colocar fim à sua própria vida. Antes do suicídio, entretanto, Hannah grava 13 fitas cassetes, cada uma direcionada a uma das pessoas que, em seu julgamento,  teria sido co-responsável pelo seu desejo de morte – e as deixa para um amigo de confiança pedindo que ele desse a elas o destino que julgasse adequado.

A série, então, traz à tona temas como bullying, abuso, exclusão social, preconceito, traumas, danos causados a filhos que são protegidos demais, danos causados por jovens que são frutos de famílias disfuncionais; além de uma das questões que parece central em toda série que é a OMISSÃO DOS RESPONSÁVEIS, seja por escolha consciente ou por estarem completamente despreparadas para lidar com as inúmeras questões que permeiam os conflitos adolescentes.

ENTENDAMOS A QUESTÃO DA OMISSÃO

Em primeiro lugar é importante deixar claro que falar em omissão de responsáveis não é promover uma “caça às bruxas”, eleger um culpado, e queimá-lo em praça pública. Longe disso. Para pensarmos em omissão precisamos contextualizar a pessoa dentro de seu meio e começar a avaliar as variáveis possíveis que foram desencadeadas após a postura não ativa ou diretiva que, teoricamente, teria que ter sido adotada pelas pessoas próximas ou instituição responsável.

É importante ressaltar que, na maioria das vezes, uma pessoa só chega ao suicídio, como chegou a personagem Hannah, após passar por situações desestabilizadoras de forma recorrente. Ou seja, quando uma pessoa ainda não se reestabeleceu de um golpe anterior e existe uma soma de outros eventos traumáticos, estabelece-se um sério risco de queda de estima, perda dos sonhos – que parecem não fazer mais sentido – e também do prazer pela vida.

No caso dos jovens, por exemplo, que ainda estão aprendendo a adminstrar seus sentimentos e nem sempre conseguem traduzi-los em palavras, pode acontecer um desconforto interno tão grande que acaba por culminar no desenvolvimento ou desencadeamento – caso a pessoa seja propensa por histórico anterior ou genética – de quadros importantes de ansiedade e depressão, entre outros. Tais quadros psiquiátricos precisam diagnosticados e acompanhados por auxílio externo, uma vez que o sofrimento sem tradução possível, aquele que não pode ser compreendido por quem o traz dentro de si, é o que mais mata.

Observemos também que esses mesmos jovens – dos quais a série fala – são aqueles que no convívio em nossa casa, taxamos de “aborrecentes”.  As mudanças naturais de comportamento nesta faixa etária, podem dificultar a identificação eficaz de alterações disfuncionais e da necessidade de ajuda profissional.

Por outro lado, jovens que também recebem atenção e recursos de forma exagerada de seus pais em casa, podem sentir culpa por não estarem bem e por isso procurar evitar, seja por auto preservação, despreparo sobre o assunto que e dificuldades para descrever o que sentem, ou também para poupar os pais da preocupação.

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Em “Thirteen Reasons why”, ainda tratando da omissão, fica evidente a atitude equivocada da escola, frente ao suicídio de Hannah: proibir os jovens de falarem sobre o assunto. Essa postura institucional é baseada em teorias que  descrevem um possível efeito de imitação  entre os pares. Logo, não falar sobre o assunto, para eles, seria uma forma de não “estimular” a imitação do comportamento suicida. Na série, entretanto, fica explícita a necessidade desesperada que aqueles  jovens tinham em  falar sobre isso, lidar melhor com seus lutos, com suas dores e até com seus sentimentos de culpa por não terem dado a Hannah, em vida, a atenção que ela precisava.

A omissão também acontece quando não sabemos como lidar com um assunto e o evitamos ou mesmo quando o minimizamos para torná-lo menos importante. A dor do outro, entretanto, não deve ser minimizada, pois cada um a entende e a sente de forma particular. Lembremos, ainda, que uma situação específica pode ser não “uma”, mas “mais uma” e é o acúmulo de dissabores que mina as defesas da pessoa. O Bullying, por exemplo,  faz exatamente isso: ele desestabiliza pela frequência e recorrência.

Outro grande agravante da omissão é que ela permite que os “responsáveis” por atos abusivos saiam ilesos e, com isso, é criada uma cultura de impunidade – na série representada claramente por meio da proteção à imagem dos astros do futebol.  Sendo assim, os atos de abuso- que não são coibidos pelo controle social – tornam-se cada vez mais violentos e repetitivos: remetendo aos exemplos de bullying e abuso sexual.

O que pensar de “Thirteem Reasons why” depois de assistir a segunda temporada – principalmente o desfecho dela.

A série foi duramente criticada desde a primeira temporada e um dos motivos das críticas é a presença de cenas realmente brutais – que não serão descritas aqui intencionalmente, como forma de preservar o leitor que ainda não viu a série e pretende vê-la.

Confesso que, mesmo como psicóloga e sabendo da idade mínima de censura e mesmo dos alertas com relação às inúmeras cenas de sexo, violência e até uso de armas, eu não tenho conhecimentos suficientes sobre a psicologia dos jovens para afirmar se eles “pegaram pesado demais” ou se eles estão realmente certos ao explicitar tudo aquilo que diariamente todos nós evitamos.

Segundo a voluntária do CVV – Centro de Valorização à Vida no Brasil, Adriana Rizzo -, a exibição da série na primeira temporada, e agora na segunda, gerou um aumento significativo na procura das pessoas por ajuda e informação.

Também precisamos ter em mente que a dor, quando encontra tradução, começa a ser elaborada emocionalmente. Sendo assim, a série – mesmo tendo apresentado cenas que podem ser questionadas, como a cena final da segunda temporada onde um dos jovens se coloca em risco real, sob o pretexto de assumir o papel de herói, nós ainda temos que entender que a arte existe como uma tradutora de emoções. A arte é como uma porta-voz de nossos sentimentos, como um espelho indentificatório do que sabemos e do que ainda precisamos saber, mesmo que a violência apresentada pareça maior do que podemos aguentar.

Talvez a morte de Hannah tenha sido esse espelho possível para aqueles jovens que acreditam que não existe outra saída. Talvez as perspectivas apresentadas –  sob o ponto de vista dos amigos, da escola, da família e mesmo de todo o contexto, sirvam para que a pessoa adoecida pela dor, consiga ver algo além do que seu mal-estar incapacitante a faz enxergar naquele momento.

Talvez, a destruição de um seja a possibilidade do renascimento de um outro.

A série mostrou que morrer não é bonito e nem romântico. A série mostrou que não podemos subestimar os sinais que estão no nosso entorno. A série mostrou, ainda, que devemos ser até mesmo mais ativos e diretivos quando suspeitamos que algo errado está acontecendo.

A série, finalmente, mostrou que nada disso é brincadeira e que ser omisso não é uma atitude aceitável.

A omissão não resolve, a poeira sob o tapede não elimina a sujeira. Gostando ou não da série- isso cada um poderá avaliar caso se disponha a vê-la- a mensagem final é indiscutível: Precisamos falar sobre isso.







JOSIE CONTI é psicóloga com enfoque em psicoterapia online, idealizadora, administradora e responsável editorial do site CONTI outra e de suas redes sociais. Sua empresa ainda faz a gestão de sites como A Soma de Todos os Afetos e Psicologias do Brasil. Contato para Atendimento Psicoterápico Online com Josie Conti pelo WhatsApp: (55) 19 9 9950 6332